Toalha aos quadrados vermelhos e brancos
Quando comecei a escrever
Lá fora era a minha juventude,
As grandes férias do interminável verão.
Vocês jogavam na praia, ouviam-se risos
E o ruído constante das ondas: e essa repetição
Trazia-nos paz, uma areia fina que se depositava
No espírito, e sobre a qual este se rebolava com prazer.
Quando comecei a escrever
Sobre a mesa ainda coberta da toalha da refeição
Cheirava aqui a bolos,
Cheirava a sandes de carne assada, ao pão quente.
E essa repetição da família permitia-me escrever,
Criar outro verão aqui dentro do texto,
Com os pais a ver televisão sobre o sofá, uma ordem,
Essa forma dos grandes relógios assentaram no chão,
O riso de um amigo a sair de um corredor
Como se viesse a ouvir uma música interminável
Que falava das férias, dessa absoluta despreocupação.
Debrucei-me sobre o caderno para escrever
Não sei porquê nem quando, mas ganhei este vício
Dos cheiros, dos sons repetidos, de estar aqui sentado
Mesmo à beira do verão, sempre a tempo de ir apanhá-lo.
Vocês jogavam lá fora, sempre, o mesmo jogo
Sem nunca se cansarem, e nunca se passava nada,
A não ser os intermináveis banhos de mar, as toalhas,
Secar, tirar a areia de entre os dedos dos pés,
Voltar a casa para comer com avidez, deixar os dias
Escorregar um após outro, sem querer que acontecesse nada.
O acontecimento era mesmo isso: o verão parado na toalha,
Nos seus quadrados vermelhos e brancos,
As sandálias a um canto, os calções de banho a secar,
E eu a tentar apanhar a frase, que estava sempre quase.
Debrucei-me, e passei o tempo a dizer “vou já”
Às muitas chamadas: "vítor, vem daí jogar matrecos",
"Vítor, o jantar está na mesa", "vitor hoje há aqueles croquetes
De que tanto gostas, e o bolo, vem.”
Passei o tempo a dizer, “espera aí, estou quase
A terminar a frase”, ganhei este vício de estar sentado,
A tentar escrever qualquer coisa que me desse gozo,
Um gozo inexplicável, é verdade, e para o qual não tenho álibi.
E um dia levantei-me, e disse, acho que talvez tenha acabado.
Mas já não ouvi nada, nem vi ninguém, nem vinha da cozinha
Qualquer odor de comida a ser fabricada.
O mar tinha-se retirado; e os meus pais tentavam ainda sorrir
Dentro de uma moldura que os apertava numa elipse sépia.
Curioso, pensei, devo ter-me distraído um pouco.
Peguei num pano húmido, limpei a toalha aos quadrados.
E percebi então que estava dentro de uma fotografia,
E que a minha imaginação se encontrava disponível.
Era apenas tarde, não sei exactamente quanto !
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Foto: Frank Herholdt (rep. aut.)
Site: http://www.frankherholdt.com/html/personal_detail2.php?id=160&gallery=Personal
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