quinta-feira, 14 de maio de 2009

A "pesada" herança de Rousseau - segundo Giorgio Agamben


Permito-me traduzir um pequeno excerto da obra magna que é (cito o título em francês) "Le Règne et La Gloire" (Homo Sacer II 2), Paris, Seuil, 2008, pp. 408 e 409 (original italiano de 2007 - é urgente traduzir em português esta obra e tudo o que ainda não está disponível cá deste eminente pensador, um dos mais importantes filósofos vivos) ("O Reino e a Glória. Para Uma Genealogia Teológica da Economia e do Governo")
:

"O mal-entendido que rege o problema do governo apresentando-o como simples execução de uma vontade e de uma lei gerais [herdadas da teologia] pesou negativamente não apenas sobre a teoria, mas também sobre a história da democracia moderna. De facto, esta história não é mais do que o trazer progressivo à luz da substancial não-verdade do primado do poder legislativo e da consequente irredutibilidade do governo a uma simples instância de execução. E se assistimos hoje ao domínio esmagador do governo e da economia sobre uma soberania popular esvaziada de todo o sentido, isso significa talvez que as democracias ocidentais estão a pagar as consequências políticas de uma herança teológica que assumiram através de Rousseau sem se darem conta disso."
(...)
"Com efeito, o que a nossa pesquisa mostrou foi que o verdadeiro problema, o mistério central da política não é a soberania, mas o governo, não é Deus, mas o anjo, não é o rei, mas o ministro, não é a lei, mas a polícia - ou de igual maneira a máquina governamental que eles formam e mantêm em movimento."

A pregnância "revolucionária" deste pensamento extremamente fino, erudito, brilhante de inteligência, raríssimo no mundo contemporâneo, é óbvia para quem lê Agamben, e de repente se apercebe do vazio do que nos trazem os média, ao nível mundial. É (quase) só ruído, para que continue tudo cada vez mais do mesmo (= cada vez mais preocupantemente pior, enquanto conseguir durar) - tanto das instâncias executivas, como da maior parte das que se lhe opõem - e falo, repito, ao nível mundial, pois mundializados estamos.
A lucidez não se compadece com a pressa. E a lucidez não é neutra, claro. Agamben tem 67 anos. É uma vida de reflexão crítica, sempre surpreendente. Precisamos de investigadores deste calibre, precisamos de que a sua reflexão chegue às pessoas. Estes é que são os verdadeiros "milagres"...




1 comentário:

Ana Paula Fitas disse...

Vou fazer link na rubrica "Leituras Cruzadas" do A Nossa Candeia. Um abraço.