sábado, 31 de janeiro de 2009

cinzas


Em mim houve talvez sempre (ou será uma imagem retrospectiva auto-complacente? decerto que o é) um reprimido: o de uma linguagem que fugisse ao seu uso comum nos dias e nas utilidades.

Essa linguagem, creio, só pode ser a da poesia e a da filosofia, uma poesia sempre em transbordamento de si própria (não há poema que nos satisfaça), uma elocução filosófica sempre cansada de si mesma: não há perfeição conceptual que não "soe" a falso. Então, desejo de um sussurro, ou marulhar subterrâneo, mas de uma onda, ou tremor, ou som, que nunca se vê ou ouve.
Cansa-me imenso (para não dizer que me espanta) a vulgaridade quotidiana, as utilidades, os "espíritos práticos", os calculismos rasteiros, as intenções e os pequenos jogos, os entretenimentos, os prazeres e os pequenos bem-estares: o estar bem seria estar mesmo incomensuravelmente muito bem, prestes a rebentar, é um insustentável, uma intensidade medonha, o prazer do raio que nos atinge os dedos e nos reduz a cinzas. Nostalgia das minhas próprias cinzas, cansaço dos existentes, e do ar que circula entre eles. É pestilento o jogo dos interesses.
Tenho um enorme prazer em utilizar a palavra para não dizer nada que faça especificamente sentido, para a reduzir à sua função "iniciática" (para não dizer inicial) de simples elocução, de mera música: como o começo de um som.
Por isso muitas vezes outros se acercaram de mim para fazer uma espécie de transfusão do que lhes era útil. Tudo o que obstaculizasse essa transfusão, ou a atrasasse, provocava e provoca nos meus "interlocutores" uma mal disfarçada expressão de impaciência.
Este desamor é frio, e pouco inteligente, pouco hábil. Os interesses, ao revelarem demasiado o seu oportunismo, têm algo de repelente, são o contrário da amizade, são hostis, mesmo por detrás do sorriso, da veneração ou do elogio.




Estranham o meu silêncio, né?...




... pois é. É a maldita burocracia que nos enlaça como hidra de sete cabeças e dá cabo da nossa humanidade. Projectos de vários tipos e para várias entidades, para ver se se sai da penúria, e que nos impedem de pensar, de ler, de ouvir música, de escrever e ler poesia. Uma miséria de dias.

Não digo mais nada, que não estou aqui para me incomodar.
Uma boa notícia: a FNAC, onde a secção de música dita clássica é cada vez mais pequena (como a de livros de filosofia, tristeza, aquilo não é nada - aqui é que uma pessoa se sente mesmo na probíncia) está no entanto a vender a 4,95 euros magníficas obras com som e interpretações muito razoáveis.
Numa outra série, apanhei as suites para violoncelo do Bach pelo Pablo Casals, uma gravação histórica (2 CDs) por menos de 4 euros. Incrível. Abençoada FNAC. És como os meus gatos, sais-me cara, mas sem ti a vida seria ainda mais cinzenta, tipo Bratislava no início dos anos 90 (nunca vi cidade mais feia e triste). Agora acho quer está melhor.
Em Março espero ir ao Canadá e em Junho à Croácia.
É o que vale neste país: tem outros sítios onde se pode ir de ver em quando, enquanto a bolsa (= o dinheirito) não estoura.
Cada vez faço mais da "música para aeroportos" do Brian Eno uma espécie de hino.
Safa que não s' auguenta isto aqui! Puxa...




tecto



A uma certa hora
Todas as roldanas sobem
E os candeeiros erguem-se, e dilatam
As ampolas

Todos se colam ao tecto
Como balões

À espera da Corte Florida
Do Rei Supremamente Caricato.

As atenções crescem de expectativa,
Altas, puxadas por argolas

E o corpo derrama-se,
Esfrangalha-se mesmo
Pela sala de baile, onde
De noviça em noviça
Há uma tremura, um risinho,
Um dichote, particular...


O Príncipe irrompe enfim
Com a peruca toda,
E uma menina entra em convulsões
E fica muito corada.

Os lacaios fazem a habitual corrida
Dos candelabros, puxam para o tecto
As últimas ampolas,

E no fim dirigem-se à sala de jantar
E começam a trinchar metodicamente os perus
Engalanados nas suas pernas viradas para cima,
Nas suas entranhas recheadas,
Nos seus gestos afectados: há de tudo. Elegância.

Uma açafata, num compartimento longe,
Onde os ruídos e as luzes chegam já
Muito filtrados, vê as suas nádegas rosadas
Expostas às mãos de um malandreco,
E olha para ele virando a cabeça,
Mirando hipnotizada o seu ímpeto escarlate.

Vivaldi passa a correr, porque lhe voaram
Algumas páginas de uma Missa.
Mas a cabeleira ruiva, esvoaçante,
Dá a volta a todo o Palácio, e vem tocar
As costas do Compositor, sossegando-o.

Louvado seja o senhor, suspira o ruivo.
Louvado seja o senhor, suspira a açafata.
Louvadas sejam as festas, tremem os peitinhos.

Subam as roldanas todas, diz o Príncipe,
Que aconteça de imediato alguma coisa!

Mas estão todos os candeeiros já no tecto,
Faz timidamente notar o Mordomo-mor,
E os perus esperam!

Avante para a mesa, dizem os cavalheiros,
Desembainhando as espadas.

Avante, gritam as saias das Senhoras,
Todos para a frente. E os macaquinhos pretos
Debaixo das saias, fazendo sabe deus o quê,
Dão saltos de contentamento.

Os músicos encetam então um Glória nas alturas
E os tectos cobrem-se subitamente de pinturas.



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Texto (porto) e foto (londres - victoria & albert museum) voj jan 2008

sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

Correntes d' Escritas - 10 anos na Póvoa

sempre



amor,

por que é que quando vem a noite
ela nunca se apaga toda,
e parece que para existir
tem de haver sempre clarões,
estes lampejos de dia.

estes rasgões de luz
que não me deixam adormecer
estes orifícios
por onde parece passar
de um dia para outro
uma palavra toda esticada

que pergunta, amor,
por que é que de um dia para outro
o dia nunca se apaga todo

e tem de permanecer
nestas luzes, nestes avisos
eternamente acesos

assim, dizer que quereria reclinar
o meu rosto cansado
no teu peito de bruma
e deixar-me enroscar
nas suas volutas,
não é suficiente

as luzes permanentes
cansam-me a vista

e a imaginação

e entre um dia e outro
passam os teus lábios,
passas tu toda, de ombro
a ombro, doçura que percorre
as palmas das mãos
a nudez dos pés

esgueirando-se
na imagem que fica entre,
na alumiação que brilha sobre,
no silêncio que demora sempre.












texto e fotos voj 2009 porto

quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

Lançamento hoje do livro "Crenças, Religiões e Poderes"






















Estas últimas seis fotos são do António da Silva Pereira, a quem mando um grande abraço.


Da esquerda para a direita, Andreia Peniche (Afrontamento), José Maria Costa Macedo, Paulo Tunhas e Vítor Oliveira Jorge.















Imagens do lançamento...




Peço a todas as pessoas interessadas em assistir ao lançamento do livro "Crenças, Religiões e Poderes", Porto, Ed. Afrontamento, 2008, que vai ser apresentado pelo Prof. Paulo Tunhas às 18,30 horas na livraria Leitura/Books & Living do Centro Comercial Cidade do Porto, a 5 m. da Faculdade de Letras,
que não cheguem tarde a esta apresentação, uma vez que o Prof. Paulo Tunhas tem a seguir (19 horas) uma conferência na Faculdade, promovida pelo Instituto/Departamento de Filosofia, e em que vai abordar o tema "A Conjectura".
Obrigado pela compreensão.


Laponia

Claude Dourguin


[...] Le paysage boréal est inhabitable. Il ne permet, évidence familière chérie, jamais redoutée, que la traversée ; le parcours est la seule approche, cette sympathie dynamique, aérienne qui lie au paysage, fait éprouver sa vérité livre son être même. Certaines hautes terres, roches, landes et pelouses livrées au seul vent accordent cette ivresse. Mais la variété des formes rencontrées, les toits humains en une ou deux journées de marche vite rejoints, provoquent l’attention, sollicitent les rêveries et atténuent l’intensité de la perception de l’étendue, lui donnant les limites des moments. Ici à traverser les centaines de kilomètres sans âme qui vive que le blanc unifie j’éprouve l’espace nu, bien des fois il m’a semblé le pousser devant moi, à l’infini toujours reconstitué, inépuisable, et peut-être est-ce folie dont me tient l’exaltation, avancer projetée vers là-bas, allégée, délivrée des attaches et du regard par-dessus l’épaule, toute entière dessein, tendue vers l’avenir inconnu, illusoire peut-être, qui se confond avec le franchissement des distances. Alors cet élan sans rupture que rien n’arrête — un, jour, la mer, seule — tient lieu de destin.


Claude Dourguin, Laponia, éditions Isolato, 2008, p. 41-42.


Contribution de Tristan Hordé


Née à Lyon en 1946, Claude Dourguin vit aujourd’hui en Haute-Provence. Elle a publié plusieurs livres de réflexions sur la peinture et de nombreuses rêveries autour de ses voyages. Elle a collaboré à l’édition (Tome II) de Julien Gracq dans la Bibliothèque de la Pléiade.
Bio-bibliographie de Claude Dourguin
http://poezibao.typepad.com/poezibao/2009/01/claude-dourguin.html




Index de Poezibao http://poezibao.typepad.com/poezibao/index-de-.html
Une de Poezibao http://poezibao.typepad.com/


Merci, Florence Trocmé!

quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

Tabula Rasa - Miguel Robles/Arvo Part




Source: http://www.youtube.com/watch?v=6OwdlKiB_ro

Arvo Part - "Spiegel im Spiegel'




Source: http://www.youtube.com/watch?v=QtFPdBUl7XQ


a masterpiece of contemporary art ! Arvo Part is a genius.

Brian Eno - Just Another Day (time lapse)




Source: http://www.youtube.com/watch?v=Bz9JmpULP3o&feature=related

Brian Eno - Music For Airports




Source: http://www.youtube.com/watch?v=J9wQFcj5PhU

Puff Daddy- I'll Be Missing You




Source: http://www.youtube.com/watch?v=25ba6BE0Aho

anedota já muito batida

Um náufrago conseguiu chegar a uma praia deserta, de uma ilha aparentemente pequena, com uma crista de elevações ao meio. Quando recobrou minimamente forças sobre a areia, parecendo-lhe milagre ter sobrevivido àqueles mares infestados de tubarões, arrastou-se até ao monte próximo, onde viu ao longe cena estranha. Era o outro lado da ilha, e sobre a areia também, noutra praia, estavam três figuras humanas sentadas, perto umas das outras. O náufrago sentiu-se ainda mas aliviado por não estar só, e começou a descer e a tentar perceber o que via.
Ao chegar à beira da cena, reparou que se tratava de um homem e de duas mulheres louras a jogar às cartas. Reparou que as louras tinham todo o aspecto do modelo standard da "loura", e achou estranho entregarem-se (diria, apenas) àquela actividade lúdica, além de também lhe parecer esquisito o facto do homem estar nu e apenas com uns ténis calçados.
Nem queira saber o que me aconteceu, meu amigo, disse este (num modo de se exprimir estranho, que traduzia o seu defeito de voz: era gago).
Vim dar à praia como você, mas tive menos sorte, como pode constatar se olhar bem: um tubarão levou-me o que de mais precioso tinha na vida, e por sorte não me trincou todo o resto do corpo.
A minha ventura parecia recuperar, quando achei na areia uma garrafa, e, ao abri-la, dela saíu um mago, que me pediu para fazer três pedidos, que me satisfaria esses três desejos. O meu mal foi ser gago.
E fiz o meu primeiro pedido.
Sinto-me só, quero duas ( )uecas, e aí o mago percebeu bem, e pôs-me aqui na praia estas duas suecas. Mas lembrei-me então de que não tinha o essencial. E exprimi o segundo desejo:
Quero um ( )énis, disse, e o mago deu-me um par de sapatos de ténis.
Não, gritei desesperado, esquecendo-me que era já a minha derradeira hipótese, quero o meu ( )aralho. E o mago deu-me este baralho de cartas.
Maldito tubarão, maldita ( ) aguês. ( )orte) ( )alvada.



Great book !


Deep Time of the Media: Toward an Archaeology of Hearing and Seeing by Technical Means (Electronic Culture: History, Theory and Practice)
by Siegfried Zielinski


Paperback: 392 pages
Publisher: The MIT Press (2008)
Language English
ISBN-10: 026274032X
ISBN-13: 978-0262740326

"This title presents a quest to find something new by excavating the "deep time" of media's development - not by simply looking at new media's historic forerunners, but by connecting models, machines, technologies, and accidents that have until now remained separated."Deep Time of the Media" takes us on an archaeological quest into the hidden layers of media development - dynamic moments of intense activity in media design and construction that have been largely ignored in the historical-media archaeological record. Siegfried Zielinski argues that the history of the media does not proceed predictably from primitive tools to complex machinery. In "Deep Time of the Media", he illuminates turning points of media history - fractures in the predictable - that help us see the new in the old.Drawing on original source materials, Zielinski explores the technology of devices for hearing and seeing through two thousand years of cultural and technological history: a theater of mirrors in sixteenth-century Naples, an automaton for musical composition created by the seventeenth-century Jesuit Athanasius Kircher, and the eighteenth-century electrical tele-writing machine of Joseph Mazzolari, among others. Uncovering these moments in the media-archaeological record, Zielinski says, brings us into a new relationship with present-day moments; these discoveries in the "deep time" media history shed light on today's media landscape and may help us map our expedition to the media future. "



Source: http://www.amazon.co.uk/Deep-Time-Media-Archaeology-Electronic/dp/026274032X/ref=sr_1_1?ie=UTF8&s=books&qid=1233105362&sr=1-1


Download for free another important book of this author, here:
http://www.scribd.com/doc/6798293/Siegfried-Zielinski-Genealogias-Comunicacion-Escucha-y-Vision

terça-feira, 27 de janeiro de 2009

Nosso gatinho Lucindo está muito doente, coitado!










Também já entrou nesta casa, tão pequeno que cabia num bolso do meu casaco, em 1994. Está velhote.
Gostamos muito dele. Vamos esperar que aguente esta prova dura, ao menos durante um tempo, e nós também... a vida é feita constantemente desta teia diária de boas e más notícias, de perdas e de ganhos, de imprevistos e de uma tentativa de lutarmos contra a entropia. Ter uma certa idade é habituarmo-nos a esta precaridade, a esta fragilidade. Vivemos no luto... desconhecíamos esse sofrimento meramente sussurrado, esse som de fundo de aviso, quando éramos novos. Não tenho saudade desses tempos. Eu próprio me preparo todos os dias para o desencanto. Tentando sempre reencantar-me, por vezes num acto já desesperado, mas tranquilo. Por isso me agito tanto. Por isso trabalho tanto. Por isso saboreio cada momento desta casa onde estou com o luxo de ter algum tempo disponível e um mínimo de condições de conforto. Fruindo cada momento, cada dia. Com a minha companheira, com os nossos gatos. Isto pode parecer ridículo, mas creio que só a pessoas desalmadas.


à la mémoire des victimes d' Auschwitz

Primo Levi, à une heure incertaine, traduit de l’italien par Louis Bonalumi
Arcades, Gallimard

Vous qui vivez en toute quiétude
Bien au chaud dans vos maisons,
Vous qui trouvez le soir en rentrant
La table mise et des visages amis,
Considérez si c'est un homme
Que celui qui peine dans la boue,
Qui ne connaît pas de repos,
Qui se bat pour un quignon de pain,
Qui meurt pour un oui pour un non.
Considérez si c'est une femme
Que celle qui a perdu son nom et ses cheveux
Et jusqu'à la force de se souvenir,
Les yeux vides et le sein froid
Comme une grenouille en hiver.
N'oubliez pas que cela fut,
Non, ne l'oubliez pas :
Gravez ces mots dans votre cœur.
Pensez-y chez vous, dans la rue,
En vous couchant, en vous levant;
Répétez-les à vos enfants.
Ou que votre maison s'écroule,
Que la maladie vous accable,
Que vos enfants se détournent de vous.

10 janvier 1946


_________

merci à Florence Trocmé de m' avoir communiqué la traduction française de ce texte, curieusement écrit deux ans avant ma naissance...

Do you know this review?...

Book Review: V. Oliveira Jorge and J. Thomas, eds, Overcoming the Modern Invention of Material Culture. (Porto: ADECAP, Journal of Iberian Archaeology 9[10], 2006--2007, Special Issue)

Author:

Marisa Lazzari

Publication:

European Journal of Archaeology

Publisher:

Sage Publications

Date:

Aug 1, 2007

Copyright © 2007, European Association of Archaeologists, SAGE Publications


In spite of many criticisms and largely debatable questions, this review concedes that: "This volume succeeds at introducing a necessary discussion and encourages a promising disciplinary shift toward relational ontology (...)" (p. 232-233).



Os dias do Amor

Poemas de Amor para um ano inteiro!


Já se encontra à venda a antologia:

Os dias do Amor
Um poema para cada dia do ano

365 poemas de amor escritos por 365 poetas de todos os tempos e de todos os lugares

Recolha, selecção e organização de: Inês Ramos
Prefácio de: Henrique Manuel Bento Fialho

N.º de páginas: 436
Editora: Ministério dos Livros

"Porque por amor enlouquecem os amantes, por amor se suicidam e matam (...), por amor o sacrifício, a entrega mística e a obstinação carnal, ou a entrega da carne e a obstinação mística, por amor os duelos reparados pela conciliação, por amor os territórios transfronteiriços, a abolição das fronteiras, o fim das dicotomias, por amor a paixão, por amor a morte, tudo isso num poema."
Henrique Manuel Bento Fialho
(do Prefácio)

A primeira apresentação da Antologia de Poesia "Os dias do Amor – Um poema para cada dia do ano" vai ter lugar já no próximo dia 29 de Janeiro, na Fnac do Colombo, pelas 18h30m.
Nesta sessão de apresentação haverá leitura de poemas da antologia por Maria do Céu Guerra, Álvaro Faria, Cristina Paiva, João Brás e Tiago Bensetil.

Estão agendadas outras apresentações nos seguintes dias e locais:
Porto: El Corte Inglés - 5 de Fevereiro às 19h30m
Viseu: Fnac Palácio do Gelo - 6 de Fevereiro às 21h00m
Faro: Livraria Pátio de Letras (Rua Dr. Cândido Guerreiro, 26-30) - 14 de Fevereiro às 17h00m
Évora: Bibliocafé Intensidez (Rua Escrivão da Câmara, 10-10A) - 14 de Fevereiro às 21h30m

Mais informações em: http://porosidade-eterea.blogspot.com/

Não se esqueça quinta-feira!


Clique na imagem para ler e... apareça.

Apesar dos convites que a editora fez serem a preto e branco, nem a capa do livro nem o conteúdo o são... e esperamos que a sessão também não o seja!
Vai ter o Paulo Tunhas, um dos colaboradores do livro, e uma das pessoas que em Portugal se dedica a pensar, a apresentá-lo.
E vamos lá estar nós, os coordenadores do livro, e... você que lê este blogue. OK?
Como dizem os brasileiros, vai ser gozado (não me engano, não?! nunca fui ao Brasil...)

Aqui fica também o flyer feito pela livraria (obrigado, Teresa Castro !) :









CURSO DE PENSAMENTO CRÍTICO CONTEMPORÂNEO

Será como anunciado
(ver:
http://sigarra.up.pt/flup/cursos_geral.FormView?P_CUR_SIGLA=FCPCC )

mas o horário mudou, tornando-se mais favorável a um sistema pós-laboral e talvez permitindo a pessoas que não podiam vir, afinal pré-inscreverem-se...

quem estiver interessado, pré-inscreva-se sff.

é que o formador (=neste caso, eu) enquanto não tem a certeza de que o curso se realiza, não fica tão estimulado para preparar o dito cujo. Ainda há dias me ofereci para fazer uma workshop sobre Jacques Derrida e a História, mas não se pôde concretizar. Ora, entre outras coisas, para que era? Para "treinar" a minha capacidade de abordar estes temas, junto de gente com alguma maturidade, para me obrigar a ser claro, para dar um passo em frente (e em frente de outros, para que me julguem) em relação à incorporação do(s) autor(es) em estudo, sempre um processo doloroso, lento, difícil. Sem estas fasquias, não se fica estimulado a progredir na interrogação, que nunca é um monólogo de si para si, mas precisa dos outros e de condições de exposição ao juízo dos outros. Não é?...
O saber não é uma coisa contida numa mala que a pessoa vai expor ou pode guardar para mais tarde. O saber é a vida, e a vida não é a do anacoreta auto-suficiente. Precisamos destes cursos, mesas-redondas, conferências, debates, não académicos, não sobre o déjà vu, mas como uma lufada fresca (mesmo que imperfeita como a própria vida), que nos agite os sentimentos! O "pensamento" é uma forma de enriquecer a vida de uma maneira doida!
Por isso detesto rituais de qualquer espécie, porque eles são a castração dos sentimentos.
Gosto do que é mais difícil, o largar-me à improvisação.
É uma arte tramada, é preciso uma pessoa treinar muito. Não é a espontaneidade opinativa, não... é o contrário. É o que já deu tantas voltas ao academismo, que vomita o academismo, não pode suportar o academismo. O verdadeiro saber é a alegria da vida. O imprevisto.






fruta-cores



Imagem: Alexander Bergström
Site (reprod. aut.): http://www.alexanderbergstrom/com/

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liberta a imaginação
com a mesma desenvoltura
com que esticas os pés,
um para cada um dos lados
do quarto.

liberta a inteligência,
põe-te na postura
de quem lê sobre
o cavalete: e aprende!

sobe as pernas juntas
e expõe o centro
por onde passam as linhas
da tua simetria

as frestas que continuamente
como doidas te aspiram
para o mundo de dentro
de ti.

e ergue por três vezes
as calcinhas na ponta dos pés
de cada vez que tocam os sinos!
o instante é solene.

e percebe por um momento
que o que distingue
é este olhar de soslaio,
este breve relance

este terrível inverno
que de repente nos desce
pelas costas, e nos deixa
o caminho desamparado.

como se tivéssemos caído
dentro de um prato de esparguete
à bolonhesa, e aí nos enredássemos
numa fatalidade.

acorda a meio da noite
e diz-me as palavras inesperadas.
amo-te, diz ao meu cadáver,
amo-te para daqui a muitos séculos.

sobe para a peanha, mostra o rabo,
cita três autores célebres
revela gosto, atira calcinhas
para todos os lados do quarto!

ao raio tanta literatura.

indecência, indecência, pedem
os lábios que forram as paredes.

queremos sair daqui
dizem as frutas das naturezas mortas,
temos saudade
do sémen.

queremos esticar as pernas
espalhar o nosso cheiro à vontade
este suor de plantas secas
que de repente se lembram do verão

é o que te peço,
acompanha-me na insónia,
vai tirando da boca peúgas
uma de cada côr,

e vamos-nos rir

muito!




texto voj porto jan. 09

martelo de novo


Imagem: Alexander Bergström
Site (reprod. aut.): http://www.alexanderbergstrom/com/
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A mulher é um quadro descolado

Da parede, onde há milénios
A tinham crucificado com quatro pregos
Nos vértices.
Agora, libertada, é vê-la
A arrastar-se pelos soutiens
Prometendo doces para encontrar
A Saída. Não lhe foi dado um Programa,
Não está bem nesta arquitectura,
Arrasta-se de corredor em corredor
À procura do Projecto, do Ensaio,
Do Rolo onde estava desenhado o Mapa.

Vai toda engalanada, como um rei nu,
Como uma grande galinha com ligas,
Com o grande poder de ter acabado
De perceber como se pode sair da parede
E arrastar o pó dos dias pelos rodapés,
Sujando as meias de seda, toda ela Elástico
De si mesma, toda ela contente de ser.
Vai coroada pela sua infinita
Vontade de sair. Por corredores vermelhos,
Surge sempre onde menos se espera,
Com pregos espetados ainda no corpete,
Com atilhos a prenderem todas as frases,
Rodeada de folhos, de criadas, de frases
Cuidadosamente estudadas ao longo de séculos.


Faz beicinho pendurada de alfinetes.
Leva à certa qualquer rinoceronte
Que atravesse o teatro, faz perder o espectáculo
A qualquer um que tenha camarote à espera,
A família, a posição social, a compostura.
E ela adora, vê nisso um caminho para a Saída.

Um sussurro bem dado, e os rinocerontes
Põem-se sobre as duas patas traseiras.
E os porcos suplicam, todos cor-de-rosa.
E a mulher faz-lhes a vontade, com a promessa
Da saída. É hábil de boca, chega a dobrar-se toda.
Incrível agilidade, desesperada para cuspir
Os últimos pregos contra os que a escravizaram
Tão longamente. Então vai livre, de bar em bar,
E demora-se nas casas de banho a compor atilhos
Ligas, cordões, espartilhos formidáveis,
Como se fosse um caixão em pé, saído de Magritte,
Esticando os elásticos e largando-os, pelo prazer
Do som. Faz balões de pastilhas elásticas,
E na ponta deles vemos a cara de um aprisionado.

Segura os quatro círios do seu próprio velório
E ri muito quando a cera lhe chega aos dedos
E os queima. É assim espantoso, um ser que aparece
Sempre entre cores fortes, do meio de florestas,
Como um tigre. E uma pessoa mesmo sabendo
Que ele está empalhado, pede-lhe um beijo,
Faz-lhe uma gravata, abre-lhe as guelras
Para ver se está fresco, é um bicho que cheira,
Que arfa, que nos cheira, que nos engole, que não tem
Vergonha.

Vai pelas avenidas com aquele passo
Que realça o movimento, com aquela ondulação.
Está na rua, é uma criatura emancipada,
E escreve isso com baton nas paredes sujas
Dos arrabaldes. Está sempre a chegar de Leste,
Enquanto os rinocerontes puxam o brilho
Aos sapatos impecáveis. Que mundo, que automóvel.

E no entanto a mulher entra descalça, em meias
De seda. E atira um pé contra a parede.
Pede o homem do martelo, espera que a crucifiquem
De novo. Nas paredes sujas dos arrabaldes,
Este convívio de contrastes é chocante.


______________
texto voj jan. 09 porto

Concerto no Museu, Braga

31 de Janeiro, 18 h. - salão nobre

Fonte: lista Museum

segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

ECONOMIE DU DESIR ET DESIR EN ECONOMIE

Ars Industrialis est heureuse de vous informer de son prochain débat :

ECONOMIE DU DESIR ET DESIR EN ECONOMIE

Théâtre de La Colline
31 janvier 2009
14 rue Malte Brun - Paris 20°
14 heures - entrée libre

Conférence de Maurizio Lazzarato : "Appauvrissement économique et appauvrissement subjectif dans le néoliberalisme" suivie d'une discussion avec Franck Cormerais, Arnauld de L'Epine et Bernard Stiegler et d'un débat avec la salle.


Contact:
Caroline Stiegler
Association Ars Industrialis
http://www.arsindustrialis.org | contact@arsindustrialis.org

On the Idea of Communism


In London, at the Birkbeck Institute for the Humanities, an important meeting



On the Idea of Communism - Conference 13th,14th & 15th March


“It’s just the simple thing that’s hard, so hard to do.”(B.Brecht)

The year of 1990 stands for the triple defeat of the Left: the retreat of the social-democratic Welfare State politics in the developed First World, the disintegration of the Soviet-style Socialist states in the industrialized Second World, and the retreat of emancipatory movements in the Third World. A certain epoch was thereby over, the epoch which began with the October Revolution and was characterized by the Party-State form of organization. Does this mean that the time of radical emancipatory politics is over?

In recent years, there are multiple signs which indicate the need for a new beginning. The utopia of the 1990, the Fukuyamaist “end of history” (liberal-democratic capitalist as the finally found natural social order) died twice in the first decade of the XXIst century. While the 9/11 attacks signaled its political death, the financial crisis of 2008 signals its economic death. In these new conditions, the task is not only to reflect on new strategies, but to radically rethink the most basic coordinates of emancipatory politics. One should go well beyond the rejection of the Party-State Left in its “Stalinist” form – a common place today -, and extend this rejection to the entire field of the “democratic Left” as the strategy to reform the system from within its representative-democratic state form. Much more than the debacle of the Really-Existing Socialism, the defeat of 1990 was the final defeat of this “democratic Left.” This defeat raises the question: is “Communism” still the name to be used to designate the horizon of radical emancipatory projects? In spite of their theoretical differences, the participants share the thesis that one should remain faithful to the name “Communism”: this name is potent to serve as the Idea which guides our activity, as well as the instrument which enables us to expose the catastrophes of the XXth century politics, those of the Left included.

The symposium will not deal with practico-political questions of how to analyze the latest economic, political, and military troubles, or how to organize a new political movement. More radical questioning is needed today - this is a meeting of philosophers who will deal with Communism as a philosophical concept, advocating a precise and strong thesis: from Plato onwards, Communism is the only political Idea worthy of a philosopher.

“The communist hypothesis remains the good one, I do not see any other. If we have to abandon this hypothesis, then it is no longer worth doing anything at all in the field of collective action. Without the horizon of communism, without this Idea, there is nothing in the historical and political becoming of any interest to a philosopher. Let everyone bother about his own affairs, and let us stop talking about it. In this case, the rat-man is right, as is, by the way, the case with some ex-communists who are either avid of their rents or who lost courage. However, to hold on to the Idea, to the existence of this hypothesis, does not mean that we should retain its first form of presentation which was centered on property and State. In fact, what is imposed on us as a task, even as a philosophical obligation, is to help a new mode of existence of the hypothesis to deploy itself.” (Alain Badiou)

Speakers:
Judith Balso, Alain Badiou, Bruno Bosteels, Terry Eagleton, Peter Hallward, Michael Hardt, Jean-Luc Nancy, Jacques Ranciere, Alessandro Russo, Alberto Toscano, Gianni Vattimo, Wang Hui, Slavoj Zizek

Friday 13th March, Saturday 14th March & Sunday 15th March


source : http://www.bbk.ac.uk/bih/news/communism

Castanheiro do Vento em análise em Lisboa




ASSOCIAÇÃO DOS ARQUEÓLOGOS PORTUGUESES


Secção de Pré-História

Museu Arqueológico do Carmo, Largo do Carmo, Lisboa

Conferência
12 de Fevereiro, às 18,00 horas

Castanheiro do Vento – 10 anos de escavações


Doutor João Muralha





ENTRADA LIVRE

avaria



Devido a avaria no meu computador principal, estou sem acesso a muitas informações e elementos essenciais para o meu trabalho.
Para além do desgaste psicológico que estas coisas causam, também o blogue ficará afectado.
De qualquer modo, aqui continuarei a tentar comunicar.



Obrigado pelo vosso interesse.

Derrida (8 of 8)



Source: http://www.youtube.com/watch?v=aTMUbGaypkM&NR=1

domingo, 25 de janeiro de 2009

J. Derrida (7 de 8)



Source: http://www.youtube.com/watch?v=VavHfo0-sXg&NR=1

Derrida (6 of 8)




Source: http://www.youtube.com/watch?v=bIacvE_Cng8&NR=1

Derrida (5 of 8)




Source: http://www.youtube.com/watch?v=xTkPi1Opf2o&NR=1

Derrida (4 of 8)




Source: http://www.youtube.com/watch?v=AAyLS32gbHs&feature=related

Derrida (3 of 8)



Source: http://www.youtube.com/watch?v=VvWSn9dDWDM&NR=1

Derrida 2 0f 8




Source: http://www.youtube.com/watch?v=qDbMG_7eDec&NR=1

Jacques Derrida (1 0f 8)




Source: http://www.youtube.com/watch?v=BatmIWsU_4c&feature=PlayList&p=6951CD38BD5AB7A7&index=0%20%3C

Lou Reed & John Cale - Nobody But You




From "Songs for Drella", their tribute to Andy Warhol. French subs


Source:http://www.youtube.com/watch?v=PnCIxMZ8hY8

One of the best records, ever!

Lou Reed & John Cale..Small Town



From "Songs for Drella"


Source: http://www.youtube.com/watch?v=p8XU6EdPp8g


great !

Andrew Bird & Martin Dosh - "Simple X" - Live at Bonnaroo




Source: http://www.youtube.com/watch?v=hUjBe21xEgk&feature=related



AnAndrew Bird - "A Nervous Tic Motion..." - Live at Bonnaroo



Andrew Bird w/ Martin Dosh - "A Nervous Tic Motion of The Head To The Left" - Live at Bonnaroo - June 16, 2006 - Manchester, TN.


Source: http://www.youtube.com/watch?v=wRk2iHkOcNE&feature=related


curso

ver:

http://sigarra.up.pt/flup/noticias_geral.ver_noticia?P_NR=2423

julgo ser a primeira vez que um arqueólogo se abalança a tratar o conjunto destes autores, do seu ponto de vista de arqueólogo, claro está

se quer contribuir para que este facto não passe de um projecto, não ligue, deixe andar, não se inscreva, não divulgue, não se empenhe, deixe para o fim, quando a viabilidade do curso for tão pequena (só se realiza com 12 inscritos) que o próprio "formador" terá desistido muito antes, farto de programar impossibilidades ou de passar fasquias com esforço atlético (também cansa)

assim ficará no limbo uma coisa que era a primeira vez!

não fazer nada é também fazer, e de que maneira, né?...


Andrew Bird - "Imitosis"



Andrew Bird - "Imitosis".
From the 2007 release "Armchair Apocrypha"


Source: http://www.youtube.com/watch?v=hnXCzFnkxtY

Vicky Cristina Barcelona Trailer




http://movie-teaser.blogspot.com/
A Woody Allen film starring Scarlett Johansson, Penelope Cruz, and Javier Bardem.

Source: http://www.youtube.com/watch?v=VXfGodHXSvo

From the 20th to the 28th March 2009...




...I will be in Canada, presenting some lectures about archaeology
and about my poetry.
As I go to the American continent, one of my friends made this poster just for fun. Well, a week out of Porto will be a change for me,
at least a short break in my routine.

Thanks, nice people from the other side of the ocean!




Stand up poetry


Na próxima quinta-feira, dia 29 de Janeiro (18:00h), irá realizar-se, na FNAC de Sta Catarina, o espectáculo "STAND UP POETRY - Diz-se Poesia com Andreia Macedo".

Convido todos a virem conhecer este trabalho... vão gostar!!

Sejam bem vindos!

Tudo a Gaia!

Me, at this moment

Listening to music...



Surrounded by projects and ideas in all directions.


sábado, 24 de janeiro de 2009

sofá

Imagem: Alexander Bergström
Site (reprod. aut.): http://www.alexanderbergstrom/com/

_________________________




Há muitos anos, havia na casa da minha avó um grande sofá, um sofá negro, imponente como uma enorme urna ornamentada. Era acolchoado, tinha as costas cheias de efeitos, reentrâncias cuidadosamente trabalhadas nos veludos, que enchiam a parede de uma corrente de relevos, e deslizavam pelas tardes da minha infância. Eram tardes enormes, uma infância enorme, paredes enormes, e grandes relógios de pé estavam ali só para marcar a ausência de tempo: os seus pêndulos ligeiramente dessincronizados diziam, balouçando: há tempo; há tempo; há tempo.
Uma vez cresci, e vi pela primeira vez aquelas duas imagens junto ao maple. Deslumbrado, perguntei-lhes, porque estavam de costas, mas tinham algo de familiar: mãe, és tu? Eram duas imagens de mulher, todavia não lhes via os rostos, cada um de um dos lados do móvel. E pareciam estáticas como numa fotografia, posando para um fotógrafo ausente. Mãe, és tu? Respondeu o eco do outro lado do corredor, que ficava muito longe, para lá da tarde, depois de uma quantidade de janelas e de luz que elas projectavam nos soalhos. Mãe, vais sair e ainda não te vestiste? Disse ainda, mas só vi passar a farda, toda aos folhos, lá ao longe, de uma das criadas que estava encarregada de me vigiar, mas só me ensinava frases obscenas; atravessava o corredor do outro lado da tarde nos afazeres a que sempre e continuadamente se dedicava, mudando vasos de flores, dando brilho a sapatos, bordando panos, etc. Perguntei às imagens: que fazem vocês aqui, que nunca vos vi antes? É nesse sofá que costumo ler, pois é nisso que me entretenho nesta infinitude que é minha vida, neste labirinto que é a minha casa. E então elas responderam-me também pela primeira vez: estamos cosidas aos estofos, cada qual na sua posição. Reproduzimos os altos e baixos do sofá, embora a nossa cor seja diferente: temos partes repuxadas para dentro, outras para fora, tudo cosido com linhas próprias, e estamos ajoelhadas. Vês como reproduzimos as geometrias? Uma de nós tem as costelas salientes, e isso representa as linhas; a outra, as nádegas redondas, perfeitas no seu delineamento, e isso representa os sólidos; e o maple, ao centro, é a ordem masculina que nos acorrenta. Estamos aqui para que conheças o corpo da mulher, e saibas o que é sair da infância, começar o tempo, para que sintas no corpo o sofrimento do desejo, os martírios da carne, e também os seus violentos arranques contra a passividade das tardes. 
Nesse momento, os relógios tocaram as oito da tarde, e apareceu uma das criadas, uma que tinha vindo de trás-os-montes e era muito sensual, dizendo-me. Vá, venha menino, que lhe vou contar outra história, muito chegadinha a si.
Confesso que pela primeira vez dessa vez fui com gosto.


aqui me apresento


Imagem: Alexander Bergström





Puxas a saia para cima.
Estás sem cuecas, tens o pêlo púbico
Rapado.
E dizes: eis o que me fizeram.
Racharam-me ao meio.
Alargaram-me as ancas.
Estou centrada na minha abertura
Feminina.

Podem os planetas dar todas as voltas.
Podem as cores da parede esmaecer
E voltarem a acender-se, conforme
Os dias e as noites, as tardes e
As manhãs, a sequência estranha
Das estações.

Aqui estou eu, sem cuecas,
Como se fosse uma vitrina
Selada dentro deste envelope,
Nua por sobre a minha nudez
Para além da vergonha e do frio.

Todos esses passados superei,
Raparam-me o cabelo, raparam-me
Toda. Aqui me apresento, de frente, despojo
Que atravessou as lâminas da Ordem,
Prisioneira da teia masculina,
Saída das mãos dos cirurgiões.

Estou rachada. Rachada ao meio, como a ponta
De um pénis. E de ambos os lados não há
Sangue, nem corre o tempo.
Tenho uma marca nas costas.
Tenho um número de utente.
Estou digitalizada, apresento a minha condição
Subindo a saia. Eis o meu destino.

Sou mulher, fui classificada.
Apresento-me ao fotógrafo, olho
De frente, para ser vista de frente
Para toda a eternidade por quem me vir
Nesta fotografia. Não sou inocente.
Não estou aqui por dinheiro.
Não pretendo ficar na história, nem isto
É um foto do dito nu artístico.

Ostento apenas. A racha.
A racha com que me racharam, e disseram:
É mulher. Nasceu mais uma mulher para o mundo.
Vai engordar ao centro, ter as linhas
Do losango. E puseram-me um vestido,
E fiquei no claro-escuro, às vezes frio,
Outras vezes resplandecente.

Estou aqui para encantar. Para ser indecente.
Para me prestar aos serviços, rachada,
Aberta, escancarada. Não me lembro do meu nome,
Mas tenho um sinal nas costas, estou arquivada.
Perfeitamente em ordem. Há um Estado que toma conta
De mim, desde que nasci até à minha morte.

As estações hão-se passar. Eu
Hei-de passar, aspirada para outras margens
Do tempo.
Mas a minha fotografia está aqui
Para atestar quem sou, o que sou, o que faço.

Levanto as saias, mostro uma parte do corpo
Que me denuncia. Exibo a minha própria denúncia.
Mulher. Destinada a ser trespassada,
A ser inseminada, a ser injectada, toda aberta.

Como tantas outras em fila, encontro-me
Entre o passado e o presente da humanidade.
Aqui, abrindo as saias como as cortinas de um teatro.
Com as pernas juntas como as de um cordeiro.

E vou rir no momento seguinte. Ou
Pelo menos sorrir desta casualidade.
Mulher, veja-se bem.
Escanhoada, comprove-se bem.
Rachada a meio, com toda a força,
Mas já passou, já foi há muito tempo, e agora
Posso talvez sair daqui em paz.

Largar as mãos. Descer as cortinas
Sobre a minha identidade, virar o meu código
Para novos rumos e fotografias.
Deixar de vos incomodar
Com esta nudez, ou indecência, a despropósito.

Demasiado crua para a literatura,
Demasiado inútil para o serviço.
Entre o presente do vosso olhar
E o tempo passado da parede, neste instante
Em que tudo se indefine, e se cegam
As retinas de tanto, tanto ver,
De tanto tentar compreender as razões.

Passam a correr, então, entre o texto
E a imagem, os acordes loucos da pergunta,
Os grandes traços da insistência.
Correm para as janelas, para a luz que vem
De algum lado, e deixa entrever um antes
E um depois, qualquer coisa que permita fugir
Daqui, da imagem inquietante na sua aparência
Calma, imagem oferecida do losango branco,
Pronto para ser inchado, para ser trabalhado
Sobre o trabalho já feito, sobre o irremediável.


texto voj porto jan. 2009