tu, que me ajudaste a ter uma vida mais feliz, olhas-me agora atarantado, como que a dizer: por que estou a desaparecer? O teu olhar é quase insuportável, como o é o tempo de uma longa despedida. Não te posso sequer explicar que te toma progressivamente uma moléstia contra a qual lutámos, mas nada mais se pode fazer. Resta-nos olhar-te, olhar o teu olhar, e agradecer-te. Porque mesmo nessa antecipação do teu desaparecimento ensinas-me, sem quereres nem saberes, a ver o meu próprio desaparecimento. Foste-me sempre, muitas vezes, mas pelo menos estas duas vezes (a da tua vida e a da tua morte), muito útil (no sentido mais profundo desta palavra), sem sequer o suspeitares. Mas não entendes o meu próprio reconhecimento: e esta é toda a barreira incomensurável entre nós.
"Adieu", Lucindo. Em breve não haverá mais "au revoir". Nem sequer um sítio onde visitar os teus restos. Nem está prevista, na ridicularia do juízo final, qualquer encontro entre nós. É irrevogável. E essa irreversibilidade, dói, não é pensável nem sentível. Dói mesmo. Pego em ti e sinto que não passas já de um resto. Um resto com um olhar muito aberto, muito aberto, nesse vão que cada dia se estreita entre a tua presença e a tua ausência.
1 comentário:
O texto é muito bonito, comovente. compreendo bem a tragédia que é a perda dos nossos animais. Abraço. Sérgio R
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