Se nunca gostei de usar a palavra chinelos (ou chinelas, também se utiliza no femimino, a não ser que seja conotado com as mulheres), nem mesmo em boa verdade de os usar (prefiro sandálias, ou socas, ou coisa assim) e se pelo contrário olho da minha janela do sítio onde trabalho, e vejo, por entre o verde que cresceu nos últimos meses, umas flores avermelhadas, altas, que se destacam, e gosto de olhar essas flores silvestres a que ninguém liga e que (felizmente) ninguém colhe (em boa verdade a paisagem que vejo da janela aparece-me como um quadro) - qual a razão para o evitamento de uma coisa afinal tão precisa e próxima para tantas pessoas, e o enaltecimento de outra que apenas surge como um acréscimo estético à minha vida de clausura "estudantil"?
Sobre isso podia dissertar até ter um livro, mas posso só sugerir alguns tópicos destas conotações subjectivas, tais como as imagino ou fantasio.
O pé é um ponto ambíguo do corpo (o corpo está cheio deles), pois é o que representa a nossa humanidade (libertámos as mãos da locomoção) mas também o que toca na parte suja do solo. É um ponto de segurança frágil, de equilíbrio precário (ainda não estamos bem adaptados à marcha bípede, dizem os evolucionistas): é um ponto tenso de contradições. Por isso se usam botas, para tapar totalmente o pé (e eventualmente o transformar, efectiva ou alusivamente, numa arma, ou no signo de uma arma - de pontapear; transformando ou sugerindo metamorfosear o frágil em forte), mas por isso as mulheres sobretudo utilizam o calçado como um dos elementos fulcrais da sua "máscara", do seu jogo imparável de aparências. Lembro-me de como as minhas irmãs (como julgo que todas as reparigas) gostavam tanto de calçar, em pequenas, os sapatos altos da minha mãe... e como isso me chocava pela sua estranheza e até por alguma obscenidade...bom, isso do fetichismo dos pés (um ponto erótico, ou erotizável por excelência) e do calçado daria uma infinita prosa, como qualquer um sabe. Os chinelos é o que está mais perto de, e ao mesmo tempo desvela a, intimidade dos pés, dos pés na domesticidade. E os pés, como outros pontos do corpo, nomeadamente com interstícios (neste caso são os entre-dedos e os suores, odores, etc, que aí se geram) comunicam-se aos chinelos - às vezes até, com o uso, sob a forma de uma mancha que se não pode eliminar pela lavagem... assim, os chinelos e os pés são conotados facilmente com aquilo que queremos ocultar aos outros, a nossa intimidade (o corpo na sua vitalidade e portanto no que nele há de algo que transborda sempre dele) e suas facetas reprimidas socialmente. O pé nu é um mundo de símbolos (até de soberania ou sacralidade), e por isso aparecem na chamada "arte rupestre" tantas pegadas... mas surgem também todas essas "leonores" deste mundo que "vão pela verdura" e vão descalças e "não seguras"... com toda a ambiguidade que aí reside.
Enquanto que fazer o elogio de umas flores silvestres, supostamente imaculadas na sua distância (ah, a "natureza"), cor e (eventual) odor, até me fica bem, embora seja bastante vulgar como imagética... é a possível a partir da minha janela...nesta época em que a poética do resto, do banal, do quotidiano, está de moda. É uma estética cínica de evitar os grandes temas.
Sobre isso podia dissertar até ter um livro, mas posso só sugerir alguns tópicos destas conotações subjectivas, tais como as imagino ou fantasio.
O pé é um ponto ambíguo do corpo (o corpo está cheio deles), pois é o que representa a nossa humanidade (libertámos as mãos da locomoção) mas também o que toca na parte suja do solo. É um ponto de segurança frágil, de equilíbrio precário (ainda não estamos bem adaptados à marcha bípede, dizem os evolucionistas): é um ponto tenso de contradições. Por isso se usam botas, para tapar totalmente o pé (e eventualmente o transformar, efectiva ou alusivamente, numa arma, ou no signo de uma arma - de pontapear; transformando ou sugerindo metamorfosear o frágil em forte), mas por isso as mulheres sobretudo utilizam o calçado como um dos elementos fulcrais da sua "máscara", do seu jogo imparável de aparências. Lembro-me de como as minhas irmãs (como julgo que todas as reparigas) gostavam tanto de calçar, em pequenas, os sapatos altos da minha mãe... e como isso me chocava pela sua estranheza e até por alguma obscenidade...bom, isso do fetichismo dos pés (um ponto erótico, ou erotizável por excelência) e do calçado daria uma infinita prosa, como qualquer um sabe. Os chinelos é o que está mais perto de, e ao mesmo tempo desvela a, intimidade dos pés, dos pés na domesticidade. E os pés, como outros pontos do corpo, nomeadamente com interstícios (neste caso são os entre-dedos e os suores, odores, etc, que aí se geram) comunicam-se aos chinelos - às vezes até, com o uso, sob a forma de uma mancha que se não pode eliminar pela lavagem... assim, os chinelos e os pés são conotados facilmente com aquilo que queremos ocultar aos outros, a nossa intimidade (o corpo na sua vitalidade e portanto no que nele há de algo que transborda sempre dele) e suas facetas reprimidas socialmente. O pé nu é um mundo de símbolos (até de soberania ou sacralidade), e por isso aparecem na chamada "arte rupestre" tantas pegadas... mas surgem também todas essas "leonores" deste mundo que "vão pela verdura" e vão descalças e "não seguras"... com toda a ambiguidade que aí reside.
Enquanto que fazer o elogio de umas flores silvestres, supostamente imaculadas na sua distância (ah, a "natureza"), cor e (eventual) odor, até me fica bem, embora seja bastante vulgar como imagética... é a possível a partir da minha janela...nesta época em que a poética do resto, do banal, do quotidiano, está de moda. É uma estética cínica de evitar os grandes temas.
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