terça-feira, 2 de junho de 2009

trans


Giorgio de Chirico, O Enigma de um Dia II, 1914
São Paulo, Museu de Arte Contemporânea da Cidade de São Paulo


Falar de um não-lugar é um contra-senso. Porque aquilo que caracteriza um lugar, na realidade simbolizada que habitamos, é precisamente a (fantasia da) sua permanência, quer dizer, a sua imaginária continuidade como tal. Por isso o lugar não possui uma ontologia que lhe seja própria, como aliás o presente. Literalmente, não existem. Não há nada que se possa fixar como um lugar que seja lugar-comum, lugar para além da minha (isto é, da de cada um) imaginação dele. Como não há nenhum presente representável como um presente-comum. Toda a experiência do lugar e do presente é uma experiência subjectiva da sua evanescência, e portanto da sua fuga para o passado e para o futuro, ou para outro lugar. O que permanece no lugar é apenas o mobiliário simbólico com que o enchi, tal como o que permanece do instante, do momento, do presente, é apenas a inconsciência instantânea que me permitiu imaginá-lo, ficcioná-lo, fixá-lo.
Muitos fecham-se em aldeias, em lares, em grupos, em celebrações, em ritos em que estancam ficcionalmente esta constante mudança (vazio ontológico fundamental) de tudo. E com a ajuda da linguagem, que já está aí antes de pensarmos e sentirmos, constituímo-nos nestes cruzamentos de ficções. A nossa objectividade/subjectividade é tresloucada, ou seja, trans-localizada, des-localizada.



Sem comentários: