terça-feira, 16 de junho de 2009

A ilusão da relação directa com o objecto


A "materialidade" das coisas (presente nas ideias de mundo material, de cultura material, etc., etc.) é um fetichismo. Apoia-se evidentemente na dicotomia ideia/matéria, pensamento/acção, mundo inerte/realidade significante que corresponde a uma redução grosseira da experiência humana.
O materialismo vulgar, com as suas formas muitas vezes associadas de gozo dos prazeres sem "filtro", de hedonismo básico, é infantil. Não mede a dimensão simbólica do mundo, o facto do prazer só poder emergir neste se incluído num contexto de significações. E como nenhuma pessoa consegue significar e significar-se sozinha, o hedonismo do consumidor abstracto é uma alucinação criada pelo capitalismo moderno.
Por exemplo, o que pode por vezes aparecer como fantasia erótica? O outro, na sua fisicalidade, no seu corpo (o que é já uma abstracção, como vou reduzir o outro a um corpo), sem necessidade da sedução, do trabalho da sedução. O outro como qualquer produto de consumo exposto numa prateleira de supermercado. O outro como "cultura material" ao meu dispor, entidade passiva sobre a qual eu exerço um conjunto de acções que apenas dependem da minha fantasia. A fotografia por exemplo vive disso: o seu fascínio está em apresentar-nos realidades passivas, fixas, expostas, que podemos manipular imaginativamente. O que há de pessoalmente destrutivo no consumo solitário de imagens eróticas é que ele acentua a solidão e portanto o vazio de um ser, do consumidor, a sua desumanidade relacional. A felicidade não passa por esse tipo de relação, apenas o descarregar de energias, maquinicamente, como se em máquinas nos tivéssemos convertido, agora que as máquinas "de pensar" (os computadores) imitam e superam algumas das nossas ditas "funções" tão bem que até são uma espécie de "pets", quer dizer, de suportes ideais, passivos, das nossas projecções, dos nossos desejos (como janelas para o nosso futuro).


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