Colocas-te ao fundo do jardim
Entre os restos da vida toda aqui
Acumulada:
E dizes, e repetes: "Então,
Então ?! "
E eu não sei o que queres de mim.
As minhas mãos afagaram o amigo morto,
O que estava prestes a morrer, e viram
Os seus olhos muito atentos, demasiado vivos,
Julgando que eu o vinha salvar.
E a minha despedida, o adeus
Que o amigo não pôde entender,
A fotografia que tirei da cena toda,
Aquele olhar esticado para a lente,
Toda a sua confiança na decisão final
Ecoou apenas dentro do meu silêncio.
Foi muita dor, passou-se aqui já demais,
Para vires tu agora, com os animais
Morar para o fundo do jardim, entre detritos,
Entre perguntas, interpelações:
"Então, então ?!"
Quem teve o seu amigo vivo
E se despediu dele
Como já morto,
Como se o tivesse assassinado,
Não pode mais voltar a casa assim,
Nem ter o sossego dos viventes,
Nem os programas decididos
Dos apressados transeuntes.
São muitas palavras já usadas, muito vestir
E despir de roupa, muitos dias que começaram
E acabaram, de forma que parece sempre seguida:
E pelo meio esse olhar da morte ainda tão viva!
E agora, ainda por cima,
Tu no fundo do jardim à espera,
Repetindo a interpelação, a corriqueira interpelação,
Ao que tem a cabeça do amigo ensanguentado
Nos braços,
E o tenta convencer a todo o custo
Que tudo já passou, que pode fechar os olhos,
Que nem vai chegar a perceber
A minha despedida.
É muita dor acumulada
Ao fundo da casa,
Há um limite a partir do qual
Disparam as plumas na cabeça:
E uma pessoa passa a viver entre fantasmas
Emparedado em interpelações irresolúveis.
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Foto: Alexander Bergström (rep. aut.)
Site: http://www.alexanderbergstrom.com/Texto: voj porto junho 2009
à memória do lucindo, um dos meus melhores amigos
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