De certos pontos de vista uma só cor
Entra pelos olhos e invade tudo,
Deixando a consciência atordoada
Pelas nuvens que pairam, pelas pedras lavadas
Que juncam o chão,
Pelas falésias tão baixas ao longe
Anunciando terra, gente, talvez frémitos
De toda a sorte, ou ovos entre as ervas.
Aqui o mundo retira-se para dar lugar
À imagem: e a imagem é cor, pura pintura
Azul, na qual não ocorre nada: é uma superfície,
Uma tela limpa, amanhecida, atmosfera livre.
A projecção total dos teus olhos na paisagem,
No tecido plano do ecrã, em que a interrogação
Se deixa mergulhar, entontecida
É então quando sai da moldura, do seu
Lado esquerdo, um búzio em pé,
Ostentando a sua abertura rósea e côncava.
Desliza hesitante a partir do lado esquerdo
E inunda lenta e vigorosamente o mundo,
Na bissectriz exacta das linhas
Do nascimento e da morte.
Essa aparição alta por momentos escapa
À obscenidade da imagem: porque a sua ocorrência
É como a de um flamingo hesitante, improvável, nu
De pé com todos os adereços: uma exposição tão grande
Que não projecta uma sombra, uma ondulação sequer,
E portanto é como uma onda que não chegasse.
Então sim, a consciência recompõe-se
Perante o absoluto, e tudo parece ter sentido na unidade
De uma só cor, de uma respiração limpa.
Os sentimentos podem ascender à paz vertical,
A respiração pode voltejar em torno da nudez.
Mas o azul é hábil em surpresas:
Que vão dos teus olhos às folhas finas de água
Deitadas na areia; e que vão das nuvens
Que te atravessam a retina, aos flamingos hesitantes.
Presenças prenhes do róseo tom dos búzios,
Do seu murmúrio de invisíveis cavernas marinhas.
Sempre a mesma suspensão. Sem dúvida uma harmonia,
Mas não totalmente abstracta: porque sem
Esse instante em que algo de extraordinário aparece
Não podia dar-se o curto-circuito, a união improvável
De uma certa dor, e agonia do azul, por um lado,
E de um búzio enorme, no seu júbilo róseo, vertical, por outro:
Algo que vem perturbar a natureza anterior das coisas,
Talvez por a vista estar tão ao correr do solo,
Baixa, em disponibilidade, em pura expectativa,
Sem medo nem espanto, apenas deitada, a ver acontecer
As cores, a fantástica consequência do olhar azul.
3 comentários:
Eccezzionale fotografia!!!
complimenti!!!
Thanks. The author of the photo is Pascal Renoux, as mentioned. He has given me permission to use photos of him in my blog, together with poems of mine. In his web page you will find other beautiful photos...
Enviar um comentário