quinta-feira, 11 de junho de 2009

inaudível


"Acredito em ti " –

 

E com esta frase prego uma vaga certeza

Numa superfície vertical,

Forro as paredes interiores

Com folhas secas de um herbário,

E preparo-me para voltar a atravessar

Um antigo inverno.

 

A tua presença,

Que circulou sempre solta por aí

Como as folhas que caem das árvores

E brincam durante muito tempo no ar,

Aparece de súbito como se fosse uma imagem

Encostada ao papel de parede;

 

E um corpo de tule, uma nuvem me diz

Para me acalmar na minha desorientação;

Pois aqui se inicia toda uma série de metamorfoses:

Ora puxando para cima os mantos,

Ora descendo silenciosamente os cortinados,

Entre um sussurro longínquo de tambores.

 

É afinal o bem conhecido teatro do corpo:

 

Os seus lábios, o seu vermelho entreaberto

A ser arrancado constantemente à boca,

E depois atirado

Com toda a força

Para aqui;

 

Os seus mamilos,

As pontas mais sensíveis procuradas

Nas montanhas, nos seus cânticos,

A virem perfurar o papel com pontas de cristal,

 

E criando feridas, a impedirem que o poema

Se deixe cair fundo no negro fundo

Situado mais abaixo,

Sob os tambores que se não ouvem.

 

Os músculos vivos,

A sua respiração, o ruído do seu

Funcionamento, esta dança de violoncelos

Todos atirados contra a parede,

Esta música inaudível dos ombros,

Este concerto de articulações.

 

Cintura, ondulação, vago clamor sem chegar

A ser, sem chegar a formular

Um sentido claro, 

Contra um muro, uma parede

Por trás da qual se abram as outras estações.


"Acredito em ti", ouve-se ainda dizer

num texto amachucado 

que caiu ao chão

e se desvaneceu no negro,

levado pelos alaúdes inaudíveis.


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Foto: Alexander Bergström (rep. aut.)
Site: http://www.alexanderbergstrom.com/

Texto: voj porto junho 2009 

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