quarta-feira, 17 de junho de 2009

azul


De certos pontos de vista uma só cor

Entra pelos olhos e invade tudo,

Deixando a consciência atordoada

Pelas nuvens que pairam, pelas pedras lavadas

Que juncam o chão,

Pelas falésias tão baixas ao longe

Anunciando terra, gente, talvez frémitos

De toda a sorte, ou ovos entre as ervas.

 

Aqui o mundo retira-se para dar lugar

À imagem: e a imagem é cor, pura pintura

Azul, na qual não ocorre nada: é uma superfície,

Uma tela limpa, amanhecida, atmosfera livre.

A projecção total dos teus olhos na paisagem,

No tecido plano do ecrã, em que a interrogação

Se deixa mergulhar, entontecida

 

É então quando sai da moldura, do seu

Lado esquerdo, um búzio em pé,

Ostentando a sua abertura rósea e côncava.

Desliza hesitante a partir do lado esquerdo

E inunda lenta e vigorosamente o mundo,

Na bissectriz exacta das linhas

Do nascimento e da morte.

 

Essa aparição alta por momentos escapa

À obscenidade da imagem: porque a sua ocorrência

É como a de um flamingo hesitante, improvável, nu

De pé com todos os adereços: uma exposição tão grande

Que não projecta uma sombra, uma ondulação sequer,

E portanto é como uma onda que não chegasse.

 

Então sim, a consciência recompõe-se

Perante o absoluto, e tudo parece ter sentido na unidade

De uma só cor, de uma respiração limpa.

Os sentimentos podem ascender à paz vertical,

A respiração pode voltejar em torno da nudez.

 

Mas o azul é hábil em surpresas:

 

Que vão dos teus olhos às folhas finas de água

Deitadas na areia; e que vão das nuvens

Que te atravessam a retina, aos flamingos hesitantes.

Presenças prenhes do róseo tom dos búzios,

Do seu murmúrio de invisíveis cavernas marinhas.

 

Sempre a mesma suspensão. Sem dúvida uma harmonia,

Mas não totalmente abstracta: porque sem

Esse instante em que algo de extraordinário aparece

Não podia dar-se o curto-circuito, a união improvável

De uma certa dor, e agonia do azul, por um lado,

E de um búzio enorme, no seu júbilo róseo, vertical, por outro:

 

Algo que vem perturbar a natureza anterior das coisas,

 

Talvez por a vista estar tão ao correr do solo,

Baixa, em disponibilidade, em pura expectativa,

Sem medo nem espanto, apenas deitada, a ver acontecer

As cores, a fantástica consequência do olhar azul.



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Foto: Pascal Renoux

Texto: voj junho 09 porto

3 comentários:

Claudio disse...

Eccezzionale fotografia!!!
complimenti!!!

Vitor Oliveira Jorge disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Vitor Oliveira Jorge disse...

Thanks. The author of the photo is Pascal Renoux, as mentioned. He has given me permission to use photos of him in my blog, together with poems of mine. In his web page you will find other beautiful photos...