O Ministério está muito interessado numa matéria que de facto urge desenvolver em Portugal, e que é a história da ciência (sobre a qual têm nos últimos anos saído obras importantes, nomeadamente numa colecção da Porto Editora chamada "História e Filosofia da Ciência", da qual tenho alguns volumes).
Ver:
http://www.cienciahoje.pt/index.php?oid=29319
Não sei se é por isso que, nas rubricas dos concursos de projectos da FCT para todos os domínios científicos aparece, na área da História (onde portanto a arqueologia continua a não ser independentizada, mas uma sub-área daquela), uma nova sub-área: História da Ciência e da Técnica.
Temo porém que, devido à magreza de verbas, em particular para estes domínios, a arqueologia venha a ter cada vez menos hipóteses de financiamento por esta via, e que esta nova rubrica não inclua a arqueologia como uma ciência e uma tecnologia que também é.
A falta de consciência do interesse do património arqueológico em Portugal, um "bem não reprodutível", é suficientemente conhecida.
A "ciência" é muitas vezes confundida com um tipo de ciência, excluindo as ciências sociais, nos sectores mais "duros", ou dando às ciências sociais um carácter de conhecimento que qualquer um pode desenvolver em casa, lendo livros, ou outra actividade do género: uma curiosidade que se acrescenta ao verdadeiro saber produtivo, ou que só vem causar complicações ao "desenvolvimento"
Há uma longa tradição de muita da "gente da ciência" não dar qualquer importância à arqueologia como tal. É uma curiosidade, uma coisa esotérica.
Só haveria uma maneira de sair disso: provar na linha de autores como Julian Thomas (Archaeology and Modernity, Londres, Routledge, 2004), mas desenvolvendo, que a arqueologia - para além de ser uma disciplina de evidente inspiração histórica, no sentido de uma história universal no espaço e no tempo, projecto tipicamente ocidental que acompanha a globalização - é também uma tecnologia, encontrando-se na encruzilhada de uma linha que vem das ciências naturais (evolução, hominização, primatologia, etologia, behaviourismo), de uma outra que vem da etnologia (invenção dos primitivos, evolução da técnica), de outra que vem do ordenamento do território, quer dizer de uma politica de agenciamento do quadro da vida quotidiana (de uma espécie de eugenia paisagista generalizada, em que não pode haver paisagens indecifradas, poluídas por ruínas, na mesma lógica em que as lixeiras se tornaram aterros, etc – higiene pública e funcionalização generalizada) e finalmente de outra linha que é propriamente antiquarista, passadista, coleccionista e melancólica, a melancolia do coleccionador que frui a sua colecção como fetiche e ao mesmo tempo lhe falta sempre a peça que iria enriquecer a colecção, etc – uma espécie de magia dos objectos, a qual, para se entender, teria de entrar em consideração com a psicanálise, a ideia de relação, sublimação, transferência, objecto transacional, etc.). A arqueologia implica isso tudo, reorienta esses vários saberes/tecnologias... mas, quem o acentua, quem o estuda, quem o releva socialmente?...
Ou seja, o problema da arqueologia como ciência é que ela só o é assim afirmada na Universidade, de algum modo "equivocando" as pessoas que aí aprendem (e não há muito tempo, porque dantes não havia cursos de arquelogia, e só nós sabemos o que nos custou a montá-los, contra a pressão dos colegas historiadores, sempre desejosos de os "engolir", de os assimilar como uma valência da "grande História") e fora dela não chega a ser uma tecnologia porque nunca foi assim formalizada, estudada pelos arqueólogos na sua especificidade (ela importa apenas tecnologias conceptualmente simples, e ao dispor no mercado, como a topografia, e de uma maneira geral a geo-referenciação, e outras) e muito menos é uma política, mas apenas uma decoração dos ministérios da cultura ou das câmaras, subordinada a outras “prioridades” (a outros interesses políticos).
Portanto, também não é uma cultura, é um exotismo, uma periferia, um empecilho aborrecido. Só poderia impor-se se todos os arqueólogos "aborrecessem" mesmo outros interesses, como fizeram sempre as poderosas organizações de defesa do ambiente. Mas para isso era preciso estruturas combativas fortes, dotadas de meios. E como os arqueólogos nem para a arqueologia têm meios, também não têm para se organizar politicamente e disputar parcelas de espaço público. É o círculo vicioso da miséria: queixas, luta de uns contra os outros, ressentimento, violência verbal, e ... impotência, afinal.
Mas como no subdesenvolvimento sobressaiem sempre algumas personalidades, também não são estas que se empenham a fundo numa mudança, porque isso lhes retirava o (local) carisma. (relativamente limitado a nível global, onde a arqueologia hoje fala inglês). A arqueologia é um pouco como o que se chamava dantes o terceiro mundo: um círculo vicioso, um nó, um laço que é muito difícil cortar. A tesoura é cara, ou difícil de conceptualizar (conceber) e a conseguir-se estaria provavelmente e principalmente nas mãos daqueles poucos para quem é importante manter o nó, o laço. Assim dominam na periferia, enquanto todo um proletariado trabalha nas obras, prostituindo-se, e prostituindo a investigação que a arqueologia devia sobretudo ser. Uma tristeza.
Ver:
http://www.cienciahoje.pt/index.php?oid=29319
Não sei se é por isso que, nas rubricas dos concursos de projectos da FCT para todos os domínios científicos aparece, na área da História (onde portanto a arqueologia continua a não ser independentizada, mas uma sub-área daquela), uma nova sub-área: História da Ciência e da Técnica.
Temo porém que, devido à magreza de verbas, em particular para estes domínios, a arqueologia venha a ter cada vez menos hipóteses de financiamento por esta via, e que esta nova rubrica não inclua a arqueologia como uma ciência e uma tecnologia que também é.
A falta de consciência do interesse do património arqueológico em Portugal, um "bem não reprodutível", é suficientemente conhecida.
A "ciência" é muitas vezes confundida com um tipo de ciência, excluindo as ciências sociais, nos sectores mais "duros", ou dando às ciências sociais um carácter de conhecimento que qualquer um pode desenvolver em casa, lendo livros, ou outra actividade do género: uma curiosidade que se acrescenta ao verdadeiro saber produtivo, ou que só vem causar complicações ao "desenvolvimento"
Há uma longa tradição de muita da "gente da ciência" não dar qualquer importância à arqueologia como tal. É uma curiosidade, uma coisa esotérica.
Só haveria uma maneira de sair disso: provar na linha de autores como Julian Thomas (Archaeology and Modernity, Londres, Routledge, 2004), mas desenvolvendo, que a arqueologia - para além de ser uma disciplina de evidente inspiração histórica, no sentido de uma história universal no espaço e no tempo, projecto tipicamente ocidental que acompanha a globalização - é também uma tecnologia, encontrando-se na encruzilhada de uma linha que vem das ciências naturais (evolução, hominização, primatologia, etologia, behaviourismo), de uma outra que vem da etnologia (invenção dos primitivos, evolução da técnica), de outra que vem do ordenamento do território, quer dizer de uma politica de agenciamento do quadro da vida quotidiana (de uma espécie de eugenia paisagista generalizada, em que não pode haver paisagens indecifradas, poluídas por ruínas, na mesma lógica em que as lixeiras se tornaram aterros, etc – higiene pública e funcionalização generalizada) e finalmente de outra linha que é propriamente antiquarista, passadista, coleccionista e melancólica, a melancolia do coleccionador que frui a sua colecção como fetiche e ao mesmo tempo lhe falta sempre a peça que iria enriquecer a colecção, etc – uma espécie de magia dos objectos, a qual, para se entender, teria de entrar em consideração com a psicanálise, a ideia de relação, sublimação, transferência, objecto transacional, etc.). A arqueologia implica isso tudo, reorienta esses vários saberes/tecnologias... mas, quem o acentua, quem o estuda, quem o releva socialmente?...
Ou seja, o problema da arqueologia como ciência é que ela só o é assim afirmada na Universidade, de algum modo "equivocando" as pessoas que aí aprendem (e não há muito tempo, porque dantes não havia cursos de arquelogia, e só nós sabemos o que nos custou a montá-los, contra a pressão dos colegas historiadores, sempre desejosos de os "engolir", de os assimilar como uma valência da "grande História") e fora dela não chega a ser uma tecnologia porque nunca foi assim formalizada, estudada pelos arqueólogos na sua especificidade (ela importa apenas tecnologias conceptualmente simples, e ao dispor no mercado, como a topografia, e de uma maneira geral a geo-referenciação, e outras) e muito menos é uma política, mas apenas uma decoração dos ministérios da cultura ou das câmaras, subordinada a outras “prioridades” (a outros interesses políticos).
Portanto, também não é uma cultura, é um exotismo, uma periferia, um empecilho aborrecido. Só poderia impor-se se todos os arqueólogos "aborrecessem" mesmo outros interesses, como fizeram sempre as poderosas organizações de defesa do ambiente. Mas para isso era preciso estruturas combativas fortes, dotadas de meios. E como os arqueólogos nem para a arqueologia têm meios, também não têm para se organizar politicamente e disputar parcelas de espaço público. É o círculo vicioso da miséria: queixas, luta de uns contra os outros, ressentimento, violência verbal, e ... impotência, afinal.
Mas como no subdesenvolvimento sobressaiem sempre algumas personalidades, também não são estas que se empenham a fundo numa mudança, porque isso lhes retirava o (local) carisma. (relativamente limitado a nível global, onde a arqueologia hoje fala inglês). A arqueologia é um pouco como o que se chamava dantes o terceiro mundo: um círculo vicioso, um nó, um laço que é muito difícil cortar. A tesoura é cara, ou difícil de conceptualizar (conceber) e a conseguir-se estaria provavelmente e principalmente nas mãos daqueles poucos para quem é importante manter o nó, o laço. Assim dominam na periferia, enquanto todo um proletariado trabalha nas obras, prostituindo-se, e prostituindo a investigação que a arqueologia devia sobretudo ser. Uma tristeza.
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