sábado, 21 de fevereiro de 2009

planar




O mundo tornou-se um sítio sujo
De onde quereríamos partir,
Através de uma viagem interminável
Pelos novos desertos, os de nuvens,
Bem lá em cima, mares intermináveis de dunas, de elevações,
De vistas sempre novas e fluidas.

Planar. Mas perto de um sol tão perto,
Que se não pudesse vê-lo,
Apenas viver na sua luz reflectida em mil efeitos,
E somente habitar, e ser, esses reflexos,
Dentro de compartimentos, vendo os desertos
Desdobrarem-se lá em baixo, os flocos intermináveis
De nuvens, esses outros mares que tapam a terra.

Chegar é terrível, sempre aterrar de novo
Num outro sítio, igual ao de partida, e sujo diferentemente.

Não: quereríamos estar sem interrupção
A distância,
E sempre em deslocação: chegar é descer degraus
A partir de uma elevação de onde já se observou
Tudo ao longe, a fluir, suavemente, de forma segura e limpa.
Bebendo um copo, conversando com uma pessoa gira.

Chegar não interessa a ninguém, vêm pessoas.
Chamadas para fazer coisas, ocupações.
Lazer eterno dentro de um avião com autonomia
Para a eternidade, sim: e dentro reflexos, paisagens, coisas
Estimulantes e giras, de uma grande amabilidade.
Sentimentos espontâneos, nada de comovente ou patético,
Apenas muito, muito, muito, muito giro. Fotografias.

O mundo que queremos é um mundo de pessoas giras,
E completamente fotografadas: isso é belo, não há qualquer
Atrito, e abstrai-se de toda a sujidade.

Obviamente que as pessoas giras se encostam
Às mesmas paredes
Onde as pessoas sujas deixaram a sua marca,

E os pés nus das pessoas giras estão a milímetros do chão
Cheio de detritos, e líquidos corrompidos,
E ameaças de contaminação. Mas é uma ilusão:

Os pés das pessoas giras pairam nas fotografias, não há atrito,
Apenas o deslizar suave de uma bebida que é suave
Ao passar na garganta, e sabe bem entre reflexos.

Viajar assim. Urban chic. Cosmopolitain.
É bom! Sempre. Sem chegada. Deslizando.
Como um pássaro, mas sem as suas entranhas mortais.

Deslizando antes como um grande deus metálico,
Muito maior, muito dentro do luz, captando os seus reflexos.

Longe da humanidade que ficou nos aeroportos,
Os aeroportos da longa espera em que o mundo sujo,
Cheio de gente suada, pressurosa, se tornou.

(Não há nada de mais sujo
Do que a pressa, que horror.)


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texto: voj porto fev. 2009
Imagem: Michele del Campo
(rep. aut.)
Site: http://www.micheledelcampo.com/index2.html

3 comentários:

Unknown disse...

Primeiro queria agradecer sua visita ao meu blog. E, parabéns pelo seu e, por este belo poema. Abços!

Unknown disse...

Primeiramente, obrigada pela visita ao meu blog. Amei este belo poema. Boa tarde e abços!

Vitor Oliveira Jorge disse...

Obrigado. Continue passando por cá!
Vitor