sábado, 28 de fevereiro de 2009

frigorífico


Foto: Frank Herholdt
Site: http://www.frankherholdt.com/html/personal_detail2.php?id=160&gallery=Personal
Agradeço a este fotógrafo a autorização para reproduzir os seus trabalhos
Texto: voj porto 2009 fev.

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Detesto esta mania do amor
Que há uns séculos se apoderou
Da Civilização Ocidental.

Uma pessoa levanta-se
A meio da noite, e encontra
O frigorífico aberto; e uma fulana
A espreitar lá para dentro: un point, c’ est tout.

É esse efeito de luz. Está todo
Dentro de uma fotografia, maneira inversa
De contar uma história.

Porque dela, imagem, irradiam em todos os sentidos
Todas as histórias possíveis, todas as in-decências
Com que se fabrica a arte, os excessos
Que ai estão contidos, alinhados
Nas prateleiras de um frigorífico aberto

Com uma fulana a olhar lá para dentro
E a tentar ver através do sono interrompido
Das pantufas, do filtro das rendas
Das calcinhas e do soutien, o objecto
Que há-de trincar a seguir.

Estranhos peixes circulam
Nos mares azuis da noite, entre o quarto
E a cozinha; e de vez em quando
Um desses grandes seres embalsamados
Limita-se a abrir a boca e a engolir
O que nem chegou a procurar.

É desse tipo de amor que procuro.
É com essa surpresa que me comovo.
Uma gaja completamente desconhecida aparece
E olha para dentro do frigorífico
A ver se tenho alguma coisa que se coma.

É aqui que está a emoção, a verdadeira
Eletri-cidade das (grandes, pequenas) coisas.

Un point, c’ est tout. Uma porra para tanta
Sentimentalidade que nos afoga, ocidentais,
Há séculos a esta parte.

A Revolução começa nos joelhos juntos
Em frente ao sacrário frigorifico,
O Pão-Nosso-de-Cada-Dia, a sua luz.



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