terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

vermelhos


A Henrich Schütz



Num sítio destes,
Qualquer vazio está sempre
A mais.


A própria luz
Não devia acordar quem dorme
Para sempre.

E nesse dormir se junta:

Todos os bustos se acabam por juntar,
Numa amálgama esponjosa,
Num cordão imenso

Que vai de museu em museu,
De salão em salão,
De palácio em palácio,

Para o sempre do sempre.

E nos jardins as estátuas
Deixam crescer o pêlo púbico
Com voluntariosa irrupção;

Mas depois da hora dos portões fecharem
Mudam de posição, como em Sade,

E unem-se num abraço diferente,
Que vai de século em século
Numa amálmaga de sangue e linfa,

Sempre e sempre furiosamente
Transformando-se!


Há porém as simetrias: os que já morreram
Olham para o centro das suas vidas
E lamentam-se num langor:

Estão lacados na sua viva expressividade;

E fazem menção de se voltar, sempre.

E ainda, e ainda vêm aqui de vez em quando visitantes.
As personagens do efémero, insectos pretos
Que acabam por desaparecer da imagem.

E mesmo Guardas,
E o seu complemento: os Abusadores

Querendo ocupar o próprio Vazio cá dentro,

À revelia dos Polícias,

Aproveitando a sua distracção
Para troçar da espuma que eles trazem sempre
Nos cantos da boca,

Da nudez branca que escondem sob as fardas,
Con-fundidos pelo seu pequeno poder
Em pleno exercício...


Mas o Verdadeiro Objecto,
Aquele que só por si seria o Museu
Do Museu, esse

Nunca por definição se pode tocar!

Está sempre por chegar,
O Grande Vazio,

O maldito infinito das salas siderais,
O tacto terrível

Do seu veludo, da sua volúpia, das suas carnagens
Ósseas.


E aqui um dia uma rapariga sente-se a cair nos braços
Da sua própria entrega: e é levada de urgência
Porque sente nas pernas um tremor
Que é só próprio das estátuas;


Tomada pelo Acontecimento,
Pelo Intruso que encontrou a frincha
Do Corpo Imaculado, e o profanou
Diante da impassividade dos Quadros.

Sítio é este pois
Muito para além da perversidade,

Da encenação do jogo da Presença Ausente,
E da Ausência Presente: centro

De toda a Suprema Masturbação,
Seja dos relógios, seja dos eixos
De rotação. Máquina infernal da luxúria,
Veludo danado em movimento de Dobra.

E todavia não chega ao que está sempre
por (se) vir!

Ao que tão sequiosamente procuramos:

Mesmo quando deitamos a mão
À palha-de-aço púbica das estátuas,

À incontrolável Onda,

Jamais retemos toda e cada uma
Das suas Pregas!

Jamais um Corpo em Si, jamais o Vazio

presentificado, deitado sobre colchas.

E gritamos:
Esta proliferação metálica

Não pode progredir, eu morro,
Eu esvaio-me em sangue,
Em prazer e dor, entre quadros,

Eu solto alto o jorro do vazio!

Mas aguardamos sempre, sempre.


Sobretudo quando o ápice toca o toque
Seguinte.

O toque vazio, vazio, das costas
Do Vazio que nunca há-de vir.

É então que ao fundo, intencional,
Um busto se volta para mim,
Sim,
Para mim que escrevo esta Memória
Para mim, sim, o artesão
Destas cenas:


E é o meu próprio busto,
Muito antes, muito depois
De quaisquer Ofícios.

O meu busto sempre Retido em Si.

Busto que fica a olhar-me,
Fixamente,

De sala em sala,
De cidade em cidade,


Sempre, insistindo sempre,
Como se uma música

Feita de uma só nota, esmurrada nas teclas,
Como se uma pergunta
Con-fundida na língua, fazendo parte
Da sua substância vermelha.


Como se uns olhos, como se uns seios
Loucamente vermelhos, iluminados,
Brutalmente atirados contra.
..




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texto e foto voj
texto porto fev. 2009
foto londres national portrait gallery jan. 2009

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