Transferência "(...) A PSICANÁLISE INVENTOU DE FACTO UMA NOVA FORMA DE AMOR CHAMADA TRANSFERÊNCIA." JACQUES-ALAIN MILLER (Lacan Dot Com)
terça-feira, 3 de fevereiro de 2009
vermelhos
Num sítio destes,
Qualquer vazio está sempre
A mais.
A própria luz
Não devia acordar quem dorme
Para sempre.
E nesse dormir se junta:
Todos os bustos se acabam por juntar,
Numa amálgama esponjosa,
Num cordão imenso
Que vai de museu em museu,
De salão em salão,
De palácio em palácio,
Para o sempre do sempre.
E nos jardins as estátuas
Deixam crescer o pêlo púbico
Com voluntariosa irrupção;
Mas depois da hora dos portões fecharem
Mudam de posição, como em Sade,
E unem-se num abraço diferente,
Que vai de século em século
Numa amálmaga de sangue e linfa,
Sempre e sempre furiosamente
Transformando-se!
Há porém as simetrias: os que já morreram
Olham para o centro das suas vidas
E lamentam-se num langor:
Estão lacados na sua viva expressividade;
E fazem menção de se voltar, sempre.
E ainda, e ainda vêm aqui de vez em quando visitantes.
As personagens do efémero, insectos pretos
Que acabam por desaparecer da imagem.
E mesmo Guardas,
E o seu complemento: os Abusadores
Querendo ocupar o próprio Vazio cá dentro,
À revelia dos Polícias,
Aproveitando a sua distracção
Para troçar da espuma que eles trazem sempre
Nos cantos da boca,
Da nudez branca que escondem sob as fardas,
Con-fundidos pelo seu pequeno poder
Em pleno exercício...
Mas o Verdadeiro Objecto,
Aquele que só por si seria o Museu
Do Museu, esse
Nunca por definição se pode tocar!
Está sempre por chegar,
O Grande Vazio,
O maldito infinito das salas siderais,
O tacto terrível
Do seu veludo, da sua volúpia, das suas carnagens
Ósseas.
E aqui um dia uma rapariga sente-se a cair nos braços
Da sua própria entrega: e é levada de urgência
Porque sente nas pernas um tremor
Que é só próprio das estátuas;
Tomada pelo Acontecimento,
Pelo Intruso que encontrou a frincha
Do Corpo Imaculado, e o profanou
Diante da impassividade dos Quadros.
Sítio é este pois
Muito para além da perversidade,
Da encenação do jogo da Presença Ausente,
E da Ausência Presente: centro
De toda a Suprema Masturbação,
Seja dos relógios, seja dos eixos
De rotação. Máquina infernal da luxúria,
Veludo danado em movimento de Dobra.
E todavia não chega ao que está sempre
por (se) vir!
Ao que tão sequiosamente procuramos:
Mesmo quando deitamos a mão
À palha-de-aço púbica das estátuas,
À incontrolável Onda,
Jamais retemos toda e cada uma
Das suas Pregas!
Jamais um Corpo em Si, jamais o Vazio
presentificado, deitado sobre colchas.
E gritamos:
Esta proliferação metálica
Não pode progredir, eu morro,
Eu esvaio-me em sangue,
Em prazer e dor, entre quadros,
Eu solto alto o jorro do vazio!
Mas aguardamos sempre, sempre.
Sobretudo quando o ápice toca o toque
Seguinte.
O toque vazio, vazio, das costas
Do Vazio que nunca há-de vir.
É então que ao fundo, intencional,
Um busto se volta para mim,
Sim,
Para mim que escrevo esta Memória
Para mim, sim, o artesão
Destas cenas:
E é o meu próprio busto,
Muito antes, muito depois
De quaisquer Ofícios.
O meu busto sempre Retido em Si.
Busto que fica a olhar-me,
Fixamente,
De sala em sala,
De cidade em cidade,
Sempre, insistindo sempre,
Como se uma música
Feita de uma só nota, esmurrada nas teclas,
Como se uma pergunta
Con-fundida na língua, fazendo parte
Da sua substância vermelha.
Como se uns olhos, como se uns seios
Loucamente vermelhos, iluminados,
Brutalmente atirados contra...
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texto e foto voj
texto porto fev. 2009
foto londres national portrait gallery jan. 2009
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