Como se sabe, os “Trabalhos de Antropologia e Etnologia” são uma revista anual que, partindo da antropologia (social ou cultural, como se queira) como matriz, tem, desde há uns bons anos a esta parte, uma linha editorial assumidamente interdisciplinar e, sempre que possível, multidisciplinar.
O objectivo é obviamente o de promover o esbatimento de barreiras entre as várias ciências sociais e, mesmo, entre estas e as “humanidades” em geral, se é que esta palavra tem algum sentido para cobrir tudo quanto se refira ao conhecimento do ser humano e, por conseguinte, também das suas actividades expressivas e estéticas que, habitualmente, designamos “artes”. E isto apesar de estarmos num momento de grande agitação problemática, de “mudança da história” em muitos sentidos, desde que nos inícios do séc. XX as características da modernidade, tal como o séc. XIX as tinha implantado (e com elas as ciências sociais, obviamente) entraram em crise, que hoje se adensa em tantos sentidos que é praticamente impossível fazer o seu balanço.
Todos fomos educados num sistema em árvore, de afunilamento progressivo no sentido da especialização. Saber fazer alguma coisa bem, ou saber algo bem, era ter um “emprego”/”ocupação” assegurados. E portanto ocupar um nicho próprio numa economia de identidades estáveis. Essa época é hoje passado. Mas nesta espécie de confusão em que nos encontramos, novas linhas e ambientes de informação, de intercâmbio, de cruzamentos, de problemáticas totalmente inéditas na história se nos deparam, e nos desafiam. As tecnologias, sabemo-lo bem, não são meios novos para difundir conteúdos minimamente estáveis, domínios científicos com objecto próprio, incluído dentro de muros disciplinares. Elas criam realidades jamais vividas antes por outros seres humanos que até certo ponto assimilamos a nós, e que queremos conhecer, para nos conhecermos, para nos orientarmos nesta turbulência, típica do capitalismo tardio, sistema que saltou por cima das barreiras de controlo dos Estados e mesmo do embrionário “direito internacional” para nos colocar numa situação de espanto quotidiano.
As “sociedades científicas” como a que publica esta revista - Sociedade Portuguesa de Antropologia e Etnologia - faziam mais sentido no séc. XIX ou nos começos do séc. XX do que hoje, onde as formas de encontro e de divulgação do que se pensa e investiga são já completamente distintas. Mas, é possível renovar “por dentro” o antigo, um pouco à semelhança da arquitectura, em que (ao contrário do que tanto se faz em Portugal), a ambiência dos sítios se mantém, modernizando-se as suas “funcionalidades”. Isso é desejável. E é nesse diálogo, que julgamos fecundo, porque recolhe, transforma, e dinamiza uma herança, em sentidos múltiplos, que se pode gerir um património, não deixar morrer espaços que, se forem reactivados, ainda continuam a ter uma missão, se bem que modesta, a cumprir.
Está em preparação o vol. 49 (2009) dos TAE.
Sem comentários:
Enviar um comentário