Truque do político para instrumentalizar aquele que ele, político, designa o técnico (= o possuidor de um saber): o político houve o técnico, mas a especificidade da política está na decisão, que é sempre um acto de risco. Ou seja, o político descentra aquele que sabe colocando-o do lado da inacção, truque pelo qual se naturaliza a si próprio como agente da acção. O político legitima-se como aquele que toma o risco, quer dizer, aquele que, ouvido o técnico (o especialista, etc), o ultrapassa. A acção política tem sempre portanto algo de um acto abusivo (vai para além das marcas), porque cria realidade, chega a um ponto e não pode ponderar mais. Já não escuta: actua. Trata-se de uma esteticização de um acto sempre im-prudente. Todos os grandes políticos foram grandes estetas nesse sentido: apontaram o caminho. Estão indissoluvelmente ligados ao espectáculo, como perceberam bem, no limite, figuras como Hitler, Estaline, e outros, que levaram a política até à sua vertigem personalizada e "científica".
Forma do técnico responder ao político: não admitir o seu confinamento como técnico. Todo o saber é político, técnico e político estão no mesmo plano. E há momentos em que o técnico tem de dizer ao político, mesmo que à custa do seu sacrifício (da vingança do politico): você enlouqueceu. Enlouqueci porquê, perguntará o político atónito. Porque sou eu que lhe digo, responderá o técnico, de igual para igual. É essa a subversão do poder do político. Tirá-lo da peanha simbólica (quer dizer, de onde o poder se enuncia, e ao enunciar-se, se produz e se nutre a si próprio) a partir da qual ele procura instrumentalizar, e por-lhe os pés no chão. Literalmente, apeá-lo.
10 comentários:
A relação entre "políticos" e "técnicos" é duma profunda perversidade. Os "políticos" porque possuem uma legitimadade própria (foram eleitos pelos cidadãos)podem revogar os pareceres dos "técnicos", que apenas podem fazer propostas. Os politicos usam os técnicos para dar credibilidade às suas ideias e os tecnicos usam os politicos para impôr as suas ideias ao resto da sociedade.
A dicotomia político e técnico é ideológica. Ao aceitar esses termos existe desde logo uma cedência de poder. Solicitar que os técnicos sejam tido mais em conta pelos políticos é igual á solicitação de um "capitalismo de rosto humano".
Que não haja dúvidas: lutar pelo poder é um imperativo que toca a cada um. A sua relação com esse imperativo define a posição de cada qual.
Claro que se pode escolher ser o elo mais fraco, numa estratégia de pode (tal como na relação entre o sádico e o masoquista). Uma vez nessa situação pode-se optar pelo lamento como estratégia. Este surgirá como o acto de legitimação e aceitação do Real.
Pode-se ainda optar por uma estratégia de luta colectiva.
Em tudo isto a subtileza assume na maioria dos casos os mesmos efeitos de uma "Realpolitik": pode ocasionalmente resultar, mas a conjugação de compromissos que se vão associando por adição, resulta numa deslocação do campo de acção para o lado daquele com que se pactua. Logo deve-se ter cuidado com os compromissos que se assinam. Eles comprometem desde logo por serem o que são: compromissos.
De acordo. O que se passa é que politicamente os técnicos têm posições muito diferenciadas. Alguns estão como "políticos" e não deixam de tentar legitimar como "universitários" a sua posição de políticos, sempre que tal vem a talhe de foice. Mas muitos "técnicos" estão numa posição completamente subordinada pela sociedade tecnocrática: estão reduzidos a uma função menor, não têm qualquer capacidade de influenciar decisões, isto é, a sua quota política é mínima, tanto faz serem especialistas como analfabetos. Estão reduzidos ao voto e agora só o espaço internético como este dos blogues lhes está aberto, porque todos os media, que são um negócio como outro qualquer, estão controlados por lobbies e grupos de interesses para quem um tipo que tente pensar criticamente (isto é, abrir o relógio do sistema e mostrá-lo a funcionar) só pode ser útil até onde o seu pensamento puder ser instrumentalizado, e depois dessa transfusão, o "técnico" é inútil, o seu poder foi transferido para o poder político. Claro que o poder politico é hoje uma carantonha ao lado do poder económico dos grandes grupos, de alto dinamismo; mas o técnico, nesse jogo de forças, coitado, é o último dos palhaços pobres. O sistema de ensino é, para os que não forem ricos, um modo de ir entretendo os jovens, pois na sua maioria não passam nunca de uma situação de exclusão. Eles até gostariam de ser técnicos ao serviço do sistema, palhaços úteis em troca de um salário: mas nem isso conseguem. É um sistema obsceno, hipócrita, generalizado.
Voltamos ao mesmo, a utilização da palavra técnico, neste caso com uma segunda variação: a utilização de escalonamento dos técnicos consoante a sua proximidade ao poder.
Repito: a dicotomia técnico e político é já de si uma operação ideológica.
A categoria de "técnico-político" ou de "político-técnico" serve para demonstrar o modo como a ideologia está assimilada (inventam-se novas categorias de modo a não fugir ao esquema aceite como estabelecido).
O poder exige que "se sujem as mãos" e não há espaço para dúvidas: há que tomar o poder.
O exercício do lamento serve como escape que garante a sobrevivência do sistema.
O problema não está em agir, mas sim em saber como agir. Para isso é fundamental o conhecimento (Lenin: "учить, учить и еще раз учить"(Uchitsa,Uchitsa i eshyo raz uchitsa)").
Apostar numa culpa do "Outro" (leia-se "grande Outro"), nomeadamente em termos de uma teoria da conspiração (o controlo dos media, do acesso à comunicação) é já de si um sintoma de um certo espaço ideológico (o tal do "capitalismo de rosto humano). Esta questão está exposta de um modo claro em Zizek (2008) Violence. Profile Books.
Quando disse de acordo, era com o Zé. Quanto ao que diz o Gonçalo, já implicaria maior reflexão. O que é que se pretende fazer quando se caracteriza algo como ideológico (há um fora de uma qualquer ideologia? onde está esse Éden?). Creio que a única coisa que podemos fazer é estudar o poder do Estado como um artefacto arqueológico, como qualquer objecto científico, o que implica aceitar convenções partilhadas, criar um regime de subjectividade que se reflexa nessa objectivação. Essa observação passa pela descrição dos seus tiques, dos tropismos do seu discurso, dos seus entre-ditos, enfim do regime de objectividade que o Estado e os seus tentáculos (incluindo a nossa consciência, a nossa crença nele) implantaram em nós desde que nascemos. Ver isso é já pô-lo em tela, é já desnudar o poder. É à procura dessa tela que todos andamos, pois somos como animais cegos, a quem foi importo um jugo, mas não sabem libertar-se dele. O primeiro acto será tentar ver, ver nitidamente. O poder apresenta-se como um halo, furta-se ao ver. Então há que lhe aplicar a implacabilidade fotográfica, há que foto-grafá-lo.
Foto-grafar o poder é um modo de o adentrar, de o possuir. Mas é muito difícil.
Queria dizer: criar um regime de subjectividade que se reflicta nessa objectivação.
Os saberes técnicos também não são consensuais. Pelo contrário, são conflituais. Cada um luta por impôr a sua supremacia sobre os demais. A engenharia, a economia, a biologia, a arqueologia, etc, etc. Isto passa também pelo ascendente que cada um consegue ganhar junto dos políticos em detrimento dos restantes. A tecnocracia é totalitária, não só porque impõe decisões pretensamente técnicas sobre outras abordagens possíveis (sociais, humanistas, etc)mas também porque representa o triunfo de um saber técnico sobre os restantes. Os políticos sabem isto e usam-no a seu favor.
Lamentavelmente comprei esse livro do Zizek em Itália (leio italiano com dificuldade) li parte do livro e não pude ainda voltar a ele. Se conhecer algum link acessível para algo relacionado com as ideias mais recentes dele, agradeço. Era preciso estar em Londres e assistir àquele congresso do Birsbeck (?) Institute que um dia postei...
Mas, você quer tomar o poder, como?!
E depois cita-me Lenine em russo... torna-se tudo muito difícil!
Mas eu percebo-o.
Claro que a obrigação deontológica do técnico seria a análise objectiva e "científica" do problema e só depois se faria a conclusão. Mas como frequentemente acontece, quando chega ao nível da decisão técnica a decisão já foi tomada e o técnico fica, muitas vezes no papel de justificar uma decisão política pré-estabelecida. E com as novas alterações legislativas (SIADAP, Disponíveis, etc) o poder discricionário dos políticos e das hierarquias nomeadas politicamente é tremendo. Podem colocar um técnico na prateleira, congelar-lhe a carreira ou colocá-lo na lista dos disponíveis. Por isso haverá sempre alguém que se disponha a dar o parecer que o seu chefe discretamente indicou.
De acordo com o Zé.
Como diria um amigo nosso, e falando à moda cá do Norte, é uma porra! (desde que pus neste blogue aviso de que pode ter conteúdo para adultos estou mais solto!)
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