no inverno, quando os palácios do extremo norte da europa se deixam afundar na neve, as pessoas perdem as referências espaciais, e deambulam à procura das ruas e dos edifícios públicos.
mesmo para irem para casa, ou visitarem um amigo, têm de fazer sulcos profundos na brancura do solo, para reencontrarem as rotas. não vale a pena traçarem sinais nas árvores, porque estas estão tão adormecidas que qualquer rasgão no tronco, mesmo que feito por faca afiada, seria de imediato devolvido ao seu negrume.
por outro lado, o inverno coloca estes países ainda mais ao longe, com as suas imagens ora mais nítidas, ora mais mais esbatidas, mas sempre a pequena escala. o ânimo de querer lá chegar esgota-se logo na sua visão.
são igualmente inacessíveis aos habitantes locais, que têm de se reduzir a mapas e a bilhetes postais, à sua contemplação cuidadosamente organizada em álbuns, para se sentirem a habitar um espaço, para fazerem um lume, enfim, para se juntarem a todos os animais que hibernam até chegar de novo a primavera.
há também a mudança de cor das fachadas, que dantes eram sulcadas pelo brilho dos cavalos, pela sonoridade das vibrações metálicas dos nobres e da soldadesca que os guardava.
agora, há muito que tudo isso parou. não há vida; e as próprias tintas das paredes esmaecem, como se diluídas no olhar lacrimejante, que é o olhar do frio.
por isso, para derreterem os cristais de gelo que durante a noite se aculumam nos olhos e na língua, as pessoas bebem logo ao amanhecer um copo de álcool branco, quase puro. e depois vão para o exterior à procura dos caminhos.
a vida só não é perigosa porque não há lobos à solta. estão domesticados.
passam de noite em autocarros muito iluminados, cada um olhando pela janela do seu assento, compondo as peles que os atabafam no pescoço.
alguns são fêmeas que vão a bater as sobrancelhas, num assomo de coquetterie.
mas os trilhos que deixam estes veículos sonâmbulos são logo apagados do solo, de modo que cada manhã nasce sempre indecisa, e com uma cor muito parecida com a do dia anterior, e com a da própria noite.
voj 2007
Foto: Evita Alle
mesmo para irem para casa, ou visitarem um amigo, têm de fazer sulcos profundos na brancura do solo, para reencontrarem as rotas. não vale a pena traçarem sinais nas árvores, porque estas estão tão adormecidas que qualquer rasgão no tronco, mesmo que feito por faca afiada, seria de imediato devolvido ao seu negrume.
por outro lado, o inverno coloca estes países ainda mais ao longe, com as suas imagens ora mais nítidas, ora mais mais esbatidas, mas sempre a pequena escala. o ânimo de querer lá chegar esgota-se logo na sua visão.
são igualmente inacessíveis aos habitantes locais, que têm de se reduzir a mapas e a bilhetes postais, à sua contemplação cuidadosamente organizada em álbuns, para se sentirem a habitar um espaço, para fazerem um lume, enfim, para se juntarem a todos os animais que hibernam até chegar de novo a primavera.
há também a mudança de cor das fachadas, que dantes eram sulcadas pelo brilho dos cavalos, pela sonoridade das vibrações metálicas dos nobres e da soldadesca que os guardava.
agora, há muito que tudo isso parou. não há vida; e as próprias tintas das paredes esmaecem, como se diluídas no olhar lacrimejante, que é o olhar do frio.
por isso, para derreterem os cristais de gelo que durante a noite se aculumam nos olhos e na língua, as pessoas bebem logo ao amanhecer um copo de álcool branco, quase puro. e depois vão para o exterior à procura dos caminhos.
a vida só não é perigosa porque não há lobos à solta. estão domesticados.
passam de noite em autocarros muito iluminados, cada um olhando pela janela do seu assento, compondo as peles que os atabafam no pescoço.
alguns são fêmeas que vão a bater as sobrancelhas, num assomo de coquetterie.
mas os trilhos que deixam estes veículos sonâmbulos são logo apagados do solo, de modo que cada manhã nasce sempre indecisa, e com uma cor muito parecida com a do dia anterior, e com a da própria noite.
voj 2007
Foto: Evita Alle
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