sexta-feira, 9 de março de 2007

centauro


encaixas-te no meu eixo vertical
numa maquinaria
de êmbolos e de ampolas;


por um campo de ventosas ervas

começas a correr, no mesmo sítio,
toda dilatada,


como se saltasses

para um abismo só com o rosto,


deixando para trás o corpo,

os pés retesados,

num jeito de trampolim elástico.


animas-te num frenesim

de idas e vindas, de altos e baixos,

de expansões e de contracções.


qual de nós cavalga,
e qual de nós

é cavalgado,

só o centauro o saberia,

e mesmo esse
já se perdeu de olhos raiados
no horizonte do movimento cinético,


entre roupas, pregas,

cabelos, e vales,

de energias e sombras
inebriados.


as mãos agarram balões.

os dedos procuram abarcar

toda a textura.

as cores distinguem-se
na sua gama de tons.


abeiramos os limites in-decentes,

a chegada incondicional

à unidade.


uma cobra engole-se a si própria,
numa auto-degustação
que nega o tempo.


os óleos lubrificam redes fluviais
no seu movimento lesto

até às nascentes.


o céu estala.

preenchimento total,
fusão perfeita,


quando um raio horizontal

atravessa finalmente
a geometria

no seu mortífero espeto:


abrem-se para o dizer

as narinas negras,

suadas, peludas,

do centauro,


regressado

para o momento preciso
do delírio,


quando os cascos potentes

batem em uníssono

nas sonoridades ígneas,


nas atmosferas interiores
dos órgãos,

nas cascatas flâmeas
da agonia,


e por fim
nas paredes aéreas,

desvairadas,

do real:


todo presente,

nu, obsceno,


com suas patas
lançadas ao ar.



copyright voj 2007

2 comentários:

Alexandre disse...

não mais te voltarei a percorrer, célere:
o meu desejo é agora esse cavalo urgente
de coração fatigado
traído sobre as ervas.

Vitor Oliveira Jorge disse...

Obrigado por este seu breve poema.
Estive a ver os seus blogs e fotos - interessante!