domingo, 11 de março de 2007

O Medo



Fonte: O blog do rapaz

O Medo - uma característica Inautêntica.
O Medo revela o domínio que os outros têm em nós. Deixamos de avaliar por nós para avaliar perante a perspectiva dos outros. Temos de perceber uma coisa simples: existe sempre um outro que terá uma opinião. Mas não existe apenas um outro, existem os outros, logo teremos sempre um sem número de opiniões diferentes.
O capitalismo de hoje joga duplamente com o medo. Por um lado pede às pessoas criatividade, por outro inventa-lhes novas ameaças (o ébola, a gripe das aves, a possibilidade de um asteróide colidir com a terra...). É que a criatividade absolutamente à solta é um problema. Assim, as ameaças passam para o dia-á-dia de todos, de modo a que se tornem na sua preocupação, ocultando ou não outras ameaças (o despedimento, a invasão da vida privada, o cruzamento de dados, a vigilância omnipresente...). Existem perigos dos quais nós nem sequer estamos cientes.
Perante o medo o que podemos fazer? Aqui sigo profundamente Heidegger: resolutamente atirar-nos para a frente. Nós efectivamente vamos morrer um dia, o que fazemos até lá depende de nós.
A outra alternativa não nos serve. Ela é o ceder ao medo (ao medo da opinião dos outros, ao medo de falharmos, ao medo de...), mas essa cedência resulta na imobilidade, tal como o individuo que não sai de casa com medo de...
Ter medo é fechar-se em si próprio. Arriscar resolutamente é avançar no nosso propósito. Correu mal? Aprendemos! A existência baseia-se em aprender! É por isso que é preciso arriscar se não nunca aprendemos. Afinal não é isso que queremos?
Experimentar é correr o risco, mas só assim aprendemos.
Não se trata de arriscar a provocar a própria morte. É o arriscar as nossas ideias (o que em certas situações nos pode efectivamente conduzir à morte, mas a morte não é um despedimento, ou uma reprovação, é a morte mesmo, é o deixar literalmente de existir).
O correr mal não advém da opinião dos outros. Corre mal porque não cumpriu os nossos propósitos, ou por circunstâncias, ou porque erramos (somos humanos). Por isso é que acho engraçado a questão do "cair em desgraça". Quem age pelo medo tem sempre este receio, mesmo que esteja na posição mais confortável. Experimentar não se coaduna com o medo. Nós não caímos em desgraça, nós caímos para a opinião dos outros! Mas isso vale o que vale.
Só quando cumprirmos com uma cultura do risco é que podemos aprender pela experiência. É o vivermos num mundo feito de várias caminhos que se arriscam para a frente. É isso que faz com que haja variedade nas ideias (porque é que será que noutros países se aprovam teses que aqui não seriam nunca aprovadas? Aqui somos todos os dias convidados a sair para podermos desenvolver efectivamente as nossas ideias dado a cultura imposta do medo).
Max Weber escreveu o famoso trabalho sobre a ligação da religião protestante com o capitalismo. Não tenho a mínima da dúvida da relação. Alguém que se rege pela salvação como um acto do próprio está habituado a pensar por si (e a interpretar por si num culto à hermenêutica). Alguém que se rege pelo julgamento dos seu actos por outrem (seja Deus ou os outros) estará para sempre envolto numa cultura do medo.
Há quem veja nisto uma apologia do individualismo. Não percebe algo que alguém de uma cultura protestante percebe desde início: o agir por mim não significa que não actue em prol dos outros (o Bem comum). Mas o prol do outros não significa o medo dos outros.



"Fear discloses Dasein predominantly in a privative way. It bewilders us and makes us 'lose our heads'. Fear closes off our endangered Being-in, and yet at the same time lets us see it, so that when the fear has subsided, Dasein must first find its way about again.

Whether privatively or positively, fearing about something, as beingafraid in the face of something, always discloses equiprimordially entities within-the-world and Being-in—the former as threatening and the latter as threatened. Fear is a mode of state-of-mind.
One can also fear about Others, and we "then speak of "fearing for" them [Fürchten für sic]. This fearing for the Other does not take away his fear. Such a possibility has been ruled out already, because the Other, for whom we fear, need not fear at all on his part. It is precisely when the Other is not afraid and charges recklessly at what is threatening him that we fear most for him. Fearing-for is a way of having a co-state-of-mind with Others, but not necessarily a being-afraid-with or even a fearingwith-one-another. One can "fear about" without "being-afraid". Yet when viewed more strictly, fearing-about is "being-afraid-for-oneself". Here what one. "is apprehensive about" is one's Being-with with the Other, who might be torn away from one. That which is fearsome is not aimed directly at him who fears with someone else. Fearing-about knows that in a certain way it is unaffected, and yet it is co-affected in so far as the Dasein-with for which it fears is affected. Fearing-about is therefore not a weaker form of being-afraid. Here the issue is one of existential modes, not of degrees of 'feeling-tones'. Fearing-about does not lose its specific genuiness even if it is not 'really' afraid."

Heidegger, B&T, pág.181

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