tu sabes como, do lado de cá da mensagem, eu me dirijo a ti, sem saber quem tu és, sem ter a perfeita consciência do que faço.
tu sabes como eu, do lado de cá do texto, ardo como vela que se deseja acercar dos teus lábios, com a vontade de te queimar dentro da minha cegueira, orientando-me pelo tacto.
tu sabes como seria se alguma vês os nossos lábios desconhecidos se aproximassem, mesmo que se quedassem a alguns milímetros. ou não sabes, não podes saber, nem eu, e por isso nunca arriscamos.
somos como duas molduras a arder frente a frente; e talvez apenas haja essas molduras e as suas labaredas, o vôo parado destas no meio da sala, a sua dança de aves aprisionadas.
e se para todos os lados descem abismos imensos, musicais, é porque sinto que as notas te escorrem pelo corpo, e noto que uma gota minha te brilha ainda sob o umbigo, onde começa um rendilhado de fetos; e no entanto não estou bem seguro, não tenho provas de que alguma vez lá tenha chegado, ou de que os músculos do teu ventre se tenham contraído.
mas agora de novo sei, tenho a certeza absoluta: tu sabes do que eu estou a falar, e no entanto nem eu nem tu temos a prova.
amamo-nos na escuridão total, e provavelmente nem sequer estamos lá.
ou estou equivocado? talves as frases venham e voltem como ondas, indecifráveis, levadas pelo seu próprio ritmo, sem nada antes nem depois - sem ti mesma, ou a tua imagem, chegarem alguma vez aqui, ouradas, num esplendor viciado na sua multiplicação.
não sei, vejo apenas a cera muito hirta, a sua lágrima de sangue na ponta, ardendo para cima, como uma chama, sob uma arcada escura, virada a uma praça imensa, percorrida pelo cinzento, no interior de uma cidade em delírio, cujos bares percorro um a um, toda a noite, para tentar reconhecer-te em pleno mês de dezembro.
sei que bebi muito; sei que em cada copo procurei ainda o sabor dos teus lábios; sei que um desses sabores era o teu. mas qual? por favor se puderes diz-me, ouço alguém a pedir no silêncio mais total, como se fosses tu respondendo para ti mesma que não é verdade, que os nossos lábios de facto se queimaram um no outro, mas isso nunca se poderá saber.
só ficam as velas, e a sua chama discreta, pela noite dentro, uma noite que dura séculos.
é assim com os monumentos, cujo desejo se espalha no ar como vôo de pássaros que invadem as praças, voando como bandos de lábios, que às vezes perdem o rumo e se estampam nas colunas, nos círios que velam as camas de pedra do amor.
e o seu baton tem uma cor artificial, muito parecida com a do sangue que irriga de facto os lábios, quando se verticalizam, entregando-se perdidamente à língua louca do tempo.
copyright voj 8.3.07
tu sabes como eu, do lado de cá do texto, ardo como vela que se deseja acercar dos teus lábios, com a vontade de te queimar dentro da minha cegueira, orientando-me pelo tacto.
tu sabes como seria se alguma vês os nossos lábios desconhecidos se aproximassem, mesmo que se quedassem a alguns milímetros. ou não sabes, não podes saber, nem eu, e por isso nunca arriscamos.
somos como duas molduras a arder frente a frente; e talvez apenas haja essas molduras e as suas labaredas, o vôo parado destas no meio da sala, a sua dança de aves aprisionadas.
e se para todos os lados descem abismos imensos, musicais, é porque sinto que as notas te escorrem pelo corpo, e noto que uma gota minha te brilha ainda sob o umbigo, onde começa um rendilhado de fetos; e no entanto não estou bem seguro, não tenho provas de que alguma vez lá tenha chegado, ou de que os músculos do teu ventre se tenham contraído.
mas agora de novo sei, tenho a certeza absoluta: tu sabes do que eu estou a falar, e no entanto nem eu nem tu temos a prova.
amamo-nos na escuridão total, e provavelmente nem sequer estamos lá.
ou estou equivocado? talves as frases venham e voltem como ondas, indecifráveis, levadas pelo seu próprio ritmo, sem nada antes nem depois - sem ti mesma, ou a tua imagem, chegarem alguma vez aqui, ouradas, num esplendor viciado na sua multiplicação.
não sei, vejo apenas a cera muito hirta, a sua lágrima de sangue na ponta, ardendo para cima, como uma chama, sob uma arcada escura, virada a uma praça imensa, percorrida pelo cinzento, no interior de uma cidade em delírio, cujos bares percorro um a um, toda a noite, para tentar reconhecer-te em pleno mês de dezembro.
sei que bebi muito; sei que em cada copo procurei ainda o sabor dos teus lábios; sei que um desses sabores era o teu. mas qual? por favor se puderes diz-me, ouço alguém a pedir no silêncio mais total, como se fosses tu respondendo para ti mesma que não é verdade, que os nossos lábios de facto se queimaram um no outro, mas isso nunca se poderá saber.
só ficam as velas, e a sua chama discreta, pela noite dentro, uma noite que dura séculos.
é assim com os monumentos, cujo desejo se espalha no ar como vôo de pássaros que invadem as praças, voando como bandos de lábios, que às vezes perdem o rumo e se estampam nas colunas, nos círios que velam as camas de pedra do amor.
e o seu baton tem uma cor artificial, muito parecida com a do sangue que irriga de facto os lábios, quando se verticalizam, entregando-se perdidamente à língua louca do tempo.
copyright voj 8.3.07
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