terça-feira, 15 de setembro de 2009

As nossas dicotomias, que impregnam tudo...

Toda a nossa cosmovisão ocidental está ancorada numa divisão entre projecto, lei, logos, e sua aplicação, a praxis. É um mentalismo, um logocentrismo. Por exemplo, no direito, a dicotomia entre a lei geral, o código, e a sua aplicação prática, o veredicto, a execução. Na arquitectura, a distinção entre o projecto, a ideia, e a construção, a obra.
Até na biologia temos esse logocentrismo, ao atribuir-se ao gene, entre outras coisas, e como diz Evelyn Keller, uma "espécie de mentalidade" ("The Century of the Gene", Harvard University Press, 2000 - este livro chegou-me hoje de modo que só pude ainda ler as primeiras 50 páginas - é excelente).
Mas quem desconstruíu bem isto foi Jacques Derrida, questionando a predominância da fala sobre a escrita, entendida a primeira como algo de directo, natural, corpóreo, na comunicação inter-pessoal, e a segunda como algo já reflectido, artificial, secundário em relação à primeira... ora, muitos nao perceberam o que Derrida queria dizer com a noção de que não existe nada fora do texto. Não se referia a texto em sentido estrito, mas a um sentido quase limitado, como diz Barry Smart (in "Teoria Social", ed. por Bryan Turner, Difel, 2002, pp. 411 e 412), que acrescenta (p. 411): " Derrida apresenta a metafísica ocidental como estando suportada por uma série de oposições binárias metafóricas em que é conferido um estatuto de privilégio a um dos elementos.A mais importante na sua elaboração teórica é a oposição entre escrita e fala." Escrita, para Derrida, é o "elemento de indecisão inerente à comunicação" (idem, ibidem). Claro que esta posição, que desconstrói profundissimamente a tradição metafísica ocidental está no pólo oposto de tudo quanto são as visões correntes das teorias da informação e da comunicação, etc.
Derrida é mais actual que nunca. 42 livros do seus cursos inéditos estão previstos serem publicados pela Galilée, para além do primeiro que já saíu...
Voltarei a estes temas, que estou a estudar, claro... é o dos meus maiores prazeres, tão longamente recalcado por burocracias, prazos, tarefas convencionais.

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