voltariam às árvores
os dias felizes,
os arcos que dobravam os ramos
por cima das cabeças?
o inverno parecia trazer
em cada uma das suas mãos
uma maçã dura, verde,
brilhante, desolada.
por detrás de uma linha
cortante
espreitava
a incógnita do resto da imagem.
o inverno tinha chegado
talvez desajeitado,
com o seu olhar de estranheza.
às folhas das árvores substituíam-se
pequenas inquietações.
ninguém assomava às janelas.
este porto era triste! uma humidade
que vinha de dentro do granito
e ia minando o quartzo da alma.
e no entanto as pernas caminhavam
com os músculos de outrora;
e de vez em quando uma revolta
virava a garganta para o espasmo
entrecurtado;
e os pés estacavam noutra imagem
à espera de se colar com esta,
noutra estação ainda por vir.
as folhas estavam escondidas
dentro dos troncos
hibernando,
o desejo povoava talvez os seios
da cidade
- mas não se via,
nem se ouvia
no suspiro da paisagem
nos pássaros exilados.
trancadas por detrás
das portas tristes
por detrás das fachadas
deste porto triste
deviam estar pessoas!
parecia impossível
por detrás
dos muros de granito
havia um grito abafado,
vermelho,
mas esse grito não seria já
nem de morte nem de vitória,
apenas uma cor,
um pedaço da imagem
que ficara de fora
e que emergia ou não
ao virar de uma esquina
com o seu olhar de estranheza;
e talvez fosse a língua
que nos vingasse
deste longo,
martirizado exílio...
desta solidão de maçãs verdes
que acabámos por comer
como alimento nosso
de cada dia.
onde estava a língua da alegria
que haveria muito mais tarde
de vir voando,
de regressar às árvores?
quando as folhas erectas
brotassem como loucas
dos troncos,
atirando para a atmosfera
a sua seiva
verde?
vencendo o inverno,
provando
que aqui também há vida,
e também e apenas
a fatia da tristeza
que nos coube neste país
cheio de bolor, cheio de musgo,
verde como uma mancha
uma dermatose alastrando.
um dia
haveriam os corpos
de se expor de novo
na sua nudez
contra o granito,
e o vermelho
no seu significado,
contra a cara rouca,
deformada
dos gestores?
talvez pela redenção
desse ar improvável
sob os cobertores esperámos
ancorados
anichados uns aos outros
neste porto triste!
enquanto uma chuva persistente
descolava as imagens,
tornava mais improvável
a reconstituição do futuro.
e o escarlate dos bispos passava
por entre os pombos,
indiferente,
erguendo altas as hóstias malignas
da perversidade.
os bispos de cara verde.
os olhos dilatados pela conjuntivite
deste porto de inverno
retinto de água benta e urina.
de candeeiros à espera
na noite
de carros e de mulheres
da movimentação de vultos
do azul das tropas
num quadro de árvores hirtas,
a tentar escapar para cima
nos ramos esticados, despidos:
húmido
de desolação,
seringas, mau hálito,
e as facas brilhantes
a estirpar o frio
manhosamente
tão
estranhamente
tão longe
todo o amor tão longe
tudo tão longe
e as mãos refugiadas
nos bolsos
com um arrepio
amarrotando os lenços trazidos
das cidades antigas,
dos dias felizes,
dos ramos virados
sobre os rostos, dantes,
quando o sol iluminava
avenidas enormes
à nossa frente
______________
voj porto dezembro 2008
os dias felizes,
os arcos que dobravam os ramos
por cima das cabeças?
o inverno parecia trazer
em cada uma das suas mãos
uma maçã dura, verde,
brilhante, desolada.
por detrás de uma linha
cortante
espreitava
a incógnita do resto da imagem.
o inverno tinha chegado
talvez desajeitado,
com o seu olhar de estranheza.
às folhas das árvores substituíam-se
pequenas inquietações.
ninguém assomava às janelas.
este porto era triste! uma humidade
que vinha de dentro do granito
e ia minando o quartzo da alma.
e no entanto as pernas caminhavam
com os músculos de outrora;
e de vez em quando uma revolta
virava a garganta para o espasmo
entrecurtado;
e os pés estacavam noutra imagem
à espera de se colar com esta,
noutra estação ainda por vir.
as folhas estavam escondidas
dentro dos troncos
hibernando,
o desejo povoava talvez os seios
da cidade
- mas não se via,
nem se ouvia
no suspiro da paisagem
nos pássaros exilados.
trancadas por detrás
das portas tristes
por detrás das fachadas
deste porto triste
deviam estar pessoas!
parecia impossível
por detrás
dos muros de granito
havia um grito abafado,
vermelho,
mas esse grito não seria já
nem de morte nem de vitória,
apenas uma cor,
um pedaço da imagem
que ficara de fora
e que emergia ou não
ao virar de uma esquina
com o seu olhar de estranheza;
e talvez fosse a língua
que nos vingasse
deste longo,
martirizado exílio...
desta solidão de maçãs verdes
que acabámos por comer
como alimento nosso
de cada dia.
onde estava a língua da alegria
que haveria muito mais tarde
de vir voando,
de regressar às árvores?
quando as folhas erectas
brotassem como loucas
dos troncos,
atirando para a atmosfera
a sua seiva
verde?
vencendo o inverno,
provando
que aqui também há vida,
e também e apenas
a fatia da tristeza
que nos coube neste país
cheio de bolor, cheio de musgo,
verde como uma mancha
uma dermatose alastrando.
um dia
haveriam os corpos
de se expor de novo
na sua nudez
contra o granito,
e o vermelho
no seu significado,
contra a cara rouca,
deformada
dos gestores?
talvez pela redenção
desse ar improvável
sob os cobertores esperámos
ancorados
anichados uns aos outros
neste porto triste!
enquanto uma chuva persistente
descolava as imagens,
tornava mais improvável
a reconstituição do futuro.
e o escarlate dos bispos passava
por entre os pombos,
indiferente,
erguendo altas as hóstias malignas
da perversidade.
os bispos de cara verde.
os olhos dilatados pela conjuntivite
deste porto de inverno
retinto de água benta e urina.
de candeeiros à espera
na noite
de carros e de mulheres
da movimentação de vultos
do azul das tropas
num quadro de árvores hirtas,
a tentar escapar para cima
nos ramos esticados, despidos:
húmido
de desolação,
seringas, mau hálito,
e as facas brilhantes
a estirpar o frio
manhosamente
tão
estranhamente
tão longe
todo o amor tão longe
tudo tão longe
e as mãos refugiadas
nos bolsos
com um arrepio
amarrotando os lenços trazidos
das cidades antigas,
dos dias felizes,
dos ramos virados
sobre os rostos, dantes,
quando o sol iluminava
avenidas enormes
à nossa frente
______________
voj porto dezembro 2008
5 comentários:
Parece que temos medo de viver!!!
Um Doce Beijo de uma boa semana =D*
Quem não tem medo? Mas quem não tem também esperança? Conhece os meus livros de poemas?...aí encontra a panóplia das minhas tonalidades poéticas... seja seguidora deste blogue, se quiser!
Obrigado pela doçura.
Adorei essa parte:
"por detrás
dos muros de granito
havia um grito abafado,
vermelho,"
... e também gostei do seu blog. Você é poeta de verdade, e dos bons!!!Parabéns!
Vou colocá-lo na minha lista de blogs. Iara Cristianny
cara Iara
Muito obrigado. É bom ter quem nos leia com sensibilidade, maturidade, inteligência.
Sabe bem como dá trabalho (e sobretudo pressupõe uma vida) acabar por escrever algo de jeito.
às vezes ternho o pressentimento de que consigo escrever poesia, mesmo.
Bem haja pelo estímulo. O Brasil é um mundo onde nós portugueses precisamos de ser mais divulgados!
Cordialmente
Vitor
Obrigado. Conheça os meus livros!
Cordiais saudações
Vitor
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