domingo, 28 de dezembro de 2008

soltando o "texto"...

Há nas culturas que "falam alemão"qualquer coisa de desmedido e de prodigioso que intriga um ignorante delas como eu. Basta lembrar Hegel, Nietzsche, Marx, Freud, J. S. Bach e tantos milhares de outros grandes vultos da cultura europeia, muitos espalhados pelo mundo pela sua fuga ao nazismo.
Uma pessoa pergunta-se então como é que numa "terra" de cultura como a que fala alemão (falo assim para não me restringir à realidade política de um estado-nação em concreto, nem cair nas armadilhas essencialistas dos "espíritos dos povos", e tomando como principio óbvio que uma língua formata um pensamento/comportamento e que estabelece um campo de comunicação que ao mesmo tempo congrega e isola de outras línguas) pôde gerar uma monstruosidade como o nazismo? Sei bem como esta pergunta é vulgar e como tantas pessoas bem preparadas lhe têm tentado responder.
Naturalmente que o nazismo, bem como outros fascismos contemporâneos (ainda nem imaginamos quantos e quão requintados se estão a gerar, mas já imaginamos a sua conformação através de certos usos das "novas tecnologias", por exemplo) está em gérmen na democracia, em qualquer democracia. É aqui que entra a questão do "estado de excepção" tratada por Giorgio Agamben, que, tal como Derrida (no seu livro "Políticas da Amizade"), vai beber muita inspiração a um reaccionário extremamente inteligente como foi Carl Schmitt. Há uma interrogação política a ser feita sobre a política, o poder, o Estado, a soberania,correlacionada com as investigações teológicas de Agamben e com um dos autores que o inspirou, Foucault, quando este mostra como passámos de uma sociedade disciplinar a uma sociedade de controlo (uma interiorização e sofisticação da disciplina).
Cada um dos três grandes mundos europeus de cultura na contemporaneidade (alemão, francês, inglês) tem formas particulares de exprimir e de institucionalizar as condições da sua criatividade. Hoje essas distinções esbatem-se um pouco devido aos meios de comunicação e à proliferação de traduções. Mas, será a mesma coisa ler Heidegger ou Nietzsche em alemão, ou em outra língua? Claro que não. O pensamento reflexivo, nomeadamente quando atinge formas aforístico-poéticas como as de Nietzsche, é intraduzível.Tal como acontece na poesia. É impossível ser-se filósofo ser saber grego e alemão profundamente, pelo menos. A poesia e a filosofia quando atingem níveis sublimes quase se confundem, têm algo de musical e de performativo, de estético. Ora, é possível traduzir uma obra musical, ou a interpretação de uma obra musical, noutra? Não é.
A questão põe-se para a imagem icónica, também. Qualquer texto sobre uma imagem é sempre um comentário pobre. Fazer uma texto para dialogar com uma imagem, sim. Mas se uma pessoa não se acautela, tirada a imagem, o texto morre. Porém, estamos na sociedade da imagem, na sociedade em que a maior parte das pessoas não tem nem tempo nem vontade de ler um livro, quanto mais de investigar ou de estudar longamente qualquer coisa como acontecia de facto dantes... há um apelo da instantaneidade, do espectáculo, do efeito, em que todos estamos mergulhados e de que todos somos voluntários, desejosos cúmplices. Um blogue é um bom exemplo disso. Como se pode usar as chamadas "novas tecnologias" para, fazendo novo, fazê-lo bem, quer dizer, agora e sempre, prolongar uma tradição? De que modo as novas tecnologias, fazendo de nós seres diferentes do que fôramos, nos vêm colocar a radical necessidade de nos transmutarmos num espaço de tempo que nunca a história de antes conheceu?...a esteticização geral do mundo é fascinante, abre possibilidades a um campo novo, que é o do cinema, da fotografia, etc, não já feitas por mediações complicadas, mas por métodos, digamos, artesanais, em casa (o artesanato foi sempre uma arte do pormenor sofisticado).O próprio "pensamento", nas aulas, passado para power point, é o mesmo do que transmitido através da oralidade e da escrita? E o modo de relacionamento formador-formandos, a própria arquitectura da sala de aula, não teriam de mudar radicalmente, instalando-se numa base mais realista, mais pragmática, de reformulação das hierarquias? Claro que sim... mas a maior parte dos professores não está de facto preparada, nem o sistema os estimula para a sua missão, que, para ser bem cumprida, seria muito cara e anti-massificante.
Tantas questões à deriva...
Muitas vezes penso - e já pus essa questão a colegas arqueólogos alemães - por que é que na pátria, por assim dizer, da grande filosofia, a arqueologia permaneceu tão aferrada a positivismos e a realismos ingénuos que tanto influenciaram a arqueologia ibérica, por exemplo? Serão os nossos colegas alemães, na sua generalidade, menos inteligentes do que outros? Por certo que não! Não é uma questão de medida de quantidade (mais ou menos inteligência), não é uma questão simples, é um problema, mais uma vez, mais estrutural e profundo. Os colegas alemães aceitam uma divisão disciplinar, nunca lá tiveram um Maio 68... E por seu turno a tolerância dos colegas britânicos, muito liberais, e que também nunca conheceram algo de semelhante a uma revolução francesa, baseia-se por sua vez numa velha filosofia prática, pragmática, que é o inverso da obsessão legislativa, por exemplo, que caracteriza países como Portugal: as leis, as regras são para se cumprir, mas tem de se deixar sempre uma porta aberta, em última instância, para a negociação, para a vida, da qual a lei está ao serviço, e não o contrário...
Enfim, vou jantar.Vantagem de um blogue, interrompe quando quer, como Lacan fazia com as suas sessões analíticas, que paravam quando o "paciente" menos esperava...se me é permitida tão presunçosa comparação.

5 comentários:

Anónimo disse...

Um excelente post.
Umas Excelentes Festas!

Vitor Oliveira Jorge disse...

Olá. Também para si.
No seu blogue (onde, para pôr comentários, arranjou um processo complicado, é preciso fazer log in e arranjar uma password, verdadeiro purgatório dos temos modernos) queixa-se de estar a fazer um doutoramento. Sim, eu sei. Toda a minha vida foi essa ansiedade (exames, tese de licenciatura, tese de doutoramento, concurso para associado, agregação, concurso para catedrático, etc), mas... não diga nada a ninguém: não há nada que valha ser jovem e estar a fazer uma tese de doutoramento... o pior vem depois!
Então se tiver uma bolsa, passeie, nesta nova forma hedonista de ser "cientista" que é andar em congressos.Há muita gente que não sente nenhum complexo de culpa, faz turismo, apresenta mais um paper e... goza como louco(a)! Os tempos estão para isto. Antigamente as teses de doutorament levavaam dez anos a fazer. Agora, é "à la minute", e pronto. O que é mesmo importante é escrever e publicar um livro bom, certificar-se na universidade, sim, mas chegar cá fora, ao público.Até os futebolistas, os jornalistas e os políticos publicam livros... por isso, quem estuda algo de jeito (pode ser também um futebolista, político, ou jornalista, evidentemente, eu sou politicamente correcto o mais que posso), deve logo fazê-lo em função de um livro.No fundo é o que fazemos nos blogues: queremos um público, e não sermos lidos apenas por pares. Tornámo-nos todos jornalistas, rendidos ao regime do instantâneo, do efeito, do "à peu près" (já estou a ser un peu malin...)

Vitor Oliveira Jorge disse...

No comentário anterior, queria dizer tempos modernos, claro-

Anónimo disse...

Olá Prof.ª Vítor, no meu blog na plataforma wordpress, não arranjei um processo complicado....é a que activei e, pelos vistos, a empressa apoia, eventualmente para incentivar outros bloggers a passarem-se para o seu lado? sei que é difícil pôr comentários, pois amigos que por lá têm passado assim mo descrevem.
Por outro lado,queixo-me de estar a fazer um doutoramento...pois queixo-me, não tenho sabática, nem bolsa, vou a congressos e tiro do meu bolso(e nos tempos que correm é necessário fazer cá uma ginástica!), não tenho apoio de nenhuma empresa (aquela em que trabalho não lhe interessa tal qualificação, gosta muito de empregados com poucas qualificações - quantos mais melhor=pior se ganha - melhor para o bolso dela!), sou aquela pessoa, mais autodidacta, que corre por gosto, ansiedade tem sido coisa do dia-a-dia, e últimamente não lhe digo nada....talvez daí o sofrer por estar a fazer um doutoramento e afirmar convictamente que é uma vida lixada...quem me conhece verdadeiramente sabe que habitualmente não me queixo...será defeito, será qualidade?
o subtítulo apareceu mais como brincadeira....
Obrigado pelo comentário, RS.

Vitor Oliveira Jorge disse...

Quantio a ginástica somos dois...pelo menos, porque creio que este pais e este mundo em geral se divide entre alguns poucos ricos, que andam a gozar connosco, ginastas (o grande povo) e depois os excluídos definitivamente do sistema (já nem para ginástica têm forças).
É engraçado ter intitulado o seu blogue "criancices", porque aliás é o que todos os idealistas como nós somos... andamos aqui como bois de paciência a aguentar a pastilha. Mas, para aguentar melhor, ainda há a partilha de ideias e até de desabafos! Sobre que assunto está a doutorar-se, dentro das ciências da educação, se não falho?... se quiser pode contactar-me para o meu mail....
Abraço, bom ano cheio de ansiedades doutorais e bom doutoramento!