volto sempre aqui. ao chão. caminho, ando, salto, corro, como num jogo que quisesse evitar uns sinais e pisar outros, como aqueles miúdos que brincam. também o vento brinca com as folhas espalhadas e secas, fazendo-as mudar ligeiramente de lugar, e às vezes levando-as num impulso até muito acima das copas a que já pertenceram no passado. é: caminho, deixo pegadas, traços para que não me volto, com receio de que me apareçam de novo à frente dos pés, dificultando o passo, exigindo constantemente opções: piso, não piso. sou um ser distraído por natureza, caminho para o meu futuro, sem saber o que ele exactamente é, como se estivesse a vê-lo como passado, e isso fizesse algum sentido.
há árvores muito parecidas com elefantes. são de facto elefantes que pararam. e das suas patas desenvolveram-se raizes em profundidade. isto é produto de uma investigação científica, e portanto absolutamente certo e correspondente à Verdade. há Provas na Pele. de facto são absolutamente similares, a pele da árvore e a pele do elefante, pelo menos nalguns casos em que a verdade assoma, como que a piscar o olho e a deixar ver um bocadinho do corpo (dela, Verdade). A Verdade é como uma Mulher, tem as artes da aparência e da metamorfose, do strip. E tal como um elefante ou uma árvore, pode-nos deixar estupefactos nos seus meneios, sejam eles monumentais ou subtis. é fantástico como pode passar quase despercebido! e no entanto está tudo na Pele.
uma só palavra, uma simples frase, pode ser mais decisiva do que tudo o que os poderosos deste mundo contantemente congeminam, do que tudo o que os Filósofos e os Matemáticos inventaram. trata-se de lançar a enxada para o sítio certo, sobre as folhas deitadas. trata-se de tomar o pulso à vara do equilibrista, e passar como Grande Equilibrista sobre o abismo. mas o equilibrista, mesmo que consiga chegar ao outro lado, e ter o Aplauso, nunca ficará satisfeito com a proeza. irá sempre subindo mais alto, segurando a vara maior. e o que cava, quererá sempre experimentar uma vez mais. é isso que têm as folhas caídas de infinitamente superior: abandonam-se, não desejam nada. só possuem a luz que sobre elas desce.
quando todos os valores partiram deste mundo, ficou o do ouro, que foi aliás o primeiro valor. por isso os antigos falavam de uma idade do ouro, e os exploradores corriam em busca do el dorado. não admira assim que seja esse valor o que ainda hoje persiste: uns querem-no armazenado em grandes cofres, mas outros mandaram fazer coroas com folhas de ouro: e há séculos caminham, e há séculos sobem as escadarias que levam ao sítio da coroação. por isso a vida humana é um cortejo. e todos querem lá ir, com o seu pedaço de ouro, nem que seja o da lâmina que há-de ser usada pelo segundo deles a atingir o topo, para assim poder chegar ao interior do peito do primeiro.
enterrei os joelhos na terra mole e húmida, na terra adubada pelo meu próprio corpo. e assim ajoelhado olhei para cima, e pedi às folhas: deixai de voltejar sobre mim como insectos policiais e assassinos. deixai-me um espaço para que que a minha alma possa ascender no azul, reencontrar a minha casa, a mãe que não tive, o pai que não tive, o irmão que não tive, a companhia que não tenho. quero voltar ao meu presépio. sentir o bafo dos bichos, a humidade dos focinhos. diluir-me no seu afago azul. esperar pelos embaixadores deste mundo, que me hão-de trazer as essências, as quais, se chegadas às narinas, inebriam. tenho ânsia de que esse azul me entre pelo corpo todo, e me permita esticar até aos quatro cantos do Conforto. Basta de adiamentos.
no princípio deus fez o homem e a mulher. o homem rugoso e cheio de bicos. a mulher macia e cheia de poros. e deus disse à mulher: ondula como areia do deserto, como água do mar, como serpente irrequieta. e deus disse ao homem: espera pelo momento certo. e assim aconteceu. um dia uma língua enorme envolveu o corpo da mulher e encheu-a de sémen. a mulher começou de imediato a dilatar-se de uma maneira desmesurada. e rebentou como um balão no ar. foi assim que se iniciaram todas as coisas. desde então a mulher continua a dançar como um balão que ainda não parou, para espanto do homem que espera a segunda ordem de deus.
as plantas são produto de antigas explosões, quando todo o universo era verde, feito de clorofila densa, sem interstícios. um dia deus espirrou, e as plantas ficaram assim, explodidas a partir de si mesmas, como uma espécie de movimento da clorofila inicial derramada para fora, em todos os sentidos possíveis e imagináveis, o que era obviamente impossível, mas se tornou a explicação mais plausível. é isto tudo o que sabemos sobre o assunto.
era suposto estarmos no meio de um deserto. mas encostaram-nos a uma parede. de modo que toda a nossa erecção verde tem o seu quê de trágico. Mas passamos bem. feliz natal para todos, especialmente para si. até ao mais extremo vómito repetiremos as frases que todos esperam. encostados à parede, mas sem perder uma certa compostura. vai tudo bem, obrigados. está-se bem, até ver.
deixa-me um momento ser feliz. atravessei um caminho cinzento e árido. terras sem sentido. cidades feias onde procurei uma imagem salvadora. filhos da puta, cabrões, gajas horríveis, todos quiseram travar-me o passo. deixa-me ao menos tu chegar à ponta, contra todas as expectativas, florir. vermelho, na ponta. pleno e calmo. sem ressentimentos. com a minha música e a minha poesia. pois toda a minha riqueza é esta viola, toda a minha ternura está concentrada na sua cintura, tão usada pelas mãos ainda ágeis.
A natureza das coisas: crescem em linhas. Mas as linhas são cansativas, conduzem à sem-razão absoluta e à morte. Então, de vez em quando, excretam bolas, tumescências, bolbos, filhos. Para fazer de conta que estão aqui para alguma coisa. Jubilam as coisas nas coisas redondas que produzem e reproduzem.
procuramos abrigo sob o amarelo, talvez porque não possamos suportar a rotina azul do firmamento. ou tão só queremos fazer aqui por baixo algo que atraia a atenção dos pequenos bichos. para estendermos os braços às sanguessugas (como quando entregamos a veia à agulha) e podermos diluir-nos no ambiente líquido que habitam.
Nunca uma foto capta as cores verdadeiras, as que Deus estende, do outro universo que nos vedou, nas suas mãos cheias. deus é neste caso o nosso mais temível diabo, o que escapa sempre ao entendimento, e nem a nossa mão aberta segura as suas cores.
a casa, as áleas. alguém viveu/passou aqui. hoje só ouço os meus (?) passos. Isto é: olho para os meus (?) pés e vejo (ouço) que alguém parece estar a andar no meu preciso lugar. É o meu representante no espaço da locomoção.
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fotos e texto: voj dezembro porto (jardim botânico)
(ensaio de "arte" propriamente em formato blogue. isto não é poesia, nem fotografia, nem umas (fotografias, frases mais ou menos "poéticas") legendam as outras. tenta ser outra coisa (evidentemente a um nível muito artesanal - corresponde a apenas c. de 5 horas de trabalho)
dedico esta experiência a bob dylan, com cuja música nos ouvidos compus todos os textos, nomeadamente o seu notável último disco Tell Tale Signs, em particular as faixas Mississipi, Red River Shore e Born in Time (obra-prima de arte pop). Também de assinalar a última composição do seu CD anterior (Modern Times, obra não tão boa, quanto a mim), nomeadamente a última faixa, Ain't Talkin'.
dedico esta experiência a bob dylan, com cuja música nos ouvidos compus todos os textos, nomeadamente o seu notável último disco Tell Tale Signs, em particular as faixas Mississipi, Red River Shore e Born in Time (obra-prima de arte pop). Também de assinalar a última composição do seu CD anterior (Modern Times, obra não tão boa, quanto a mim), nomeadamente a última faixa, Ain't Talkin'.
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