Transferência "(...) A PSICANÁLISE INVENTOU DE FACTO UMA NOVA FORMA DE AMOR CHAMADA TRANSFERÊNCIA." JACQUES-ALAIN MILLER (Lacan Dot Com)
terça-feira, 23 de dezembro de 2008
a arte
quando uma pessoa chega a uma certa idade,/
isto é, a um certo grau de amadurecimento e de experiência/
que lhe permite ver as coisas a distância e com alguma soberania,/
as várias funções começam a separar-se:/
comer, beber, dormir, defecar, copular, ler, falar, ouvir, conversar, sentir,/
emocionar-se:/
tudo isso ocorre de forma diversificada, cada coisa em sua direcção e momento,/
tal como as folhas e os troncos das árvores se vão separando uns dos outros/
e cada qual segue a sua trajectória ou aparece no seu lugar próprio./
uma pessoa olha então à sua volta, e vê a condição desesperada dos mais novos/
tentando desapertar-se dos novelos que ainda, neles, ligam todas as coisas,/
e principalmente o crescimento doloroso das células e dos músculos,/
as vontades fortes retorcendo-se, os recortes e as superfícies colando-se,/
num espasmo interminável./
e introduzem-se dois dedos apontados nesta falha/
que distingue as idades; interpõe-se o livro, a imagem do livro apenas,/
no mais total silêncio,/
pois a palavra é já uma forma de ligação que confunde tudo./
bordam-se sobre o couro as insígnias da soberania;/
observam-se os quadros das famílias em movimento,/
com os seus bonecos, e animais, e crianças em volta,/
as linhas que se distinguem ao longe./
basta então um degrau para estabelecer o abismo./
o princípio da diferença, em que uma pessoa é soberana,/
fazendo cada coisa por sua vez, pegando no instrumento,/
segurando a taça, aperfeiçoando a lâmina:/
cada coisa na sua vez, no seu lugar./
é essa crista, que está no cimo das idades, antes do corpo/
se começar a decompor em vida, e o entendimento a desfocar,/
que constitui a loucura do Inventor, a cor, difícil de copiar,/
em que os retratistas hão-de pintá-lo para a posteridade./
com a face branca, os sapatos apontados, a mão pousada/
sobre todos os instrumentos, retratado na parte de cima/
da sua vida enobrecida pelo conhecimento, pela arte/
da separação./
voj dez. 2008 porto
imagem: Bogdan Zwir
Fonte (aut.): http://www.zwir.ru/zwir.htm
nota: a barra / marca o fim de cada verso, que se deforma ao ser inserido na postagem.
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2 comentários:
aloha!
belo texto
e a imagem é genial: o homem confiante segura a mini-gaiola vazia, enquanto real e imaginário entrecortados completam-se.
simulacros.
Obrigado.
Um abraço
V.
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