sábado, 17 de janeiro de 2009

os meus primeiros alunos





Angola, Sá da Bandeira (actual Lubango), inícios de Fevereiro de 1973, portanto há cerca de 36 anos. Agradeço a Jorge Sá Pinto (o primeiro do lado direito em baixo) estas imagens (eu e a Susana estamos logo a seguir a ele, para a esquerda), que recordam o momento em que comecei a exercer a profissão que sempre desejei. Não havia ali televisão. Havia um cinema que levava um filme diferente por dia, e de vez em quando valia a pena lá ir, mas raramente... de início não tínhamos sequer uma aparelhagem para ouvir música (primeiro electrodoméstico que comprámos). Estavamos a mil quilómetros de Luanda, entre montanhas altas, num plateau a c. de 1800 metros de altitude. Na cidade preponderavam os brancos.
Enfim, foi estranho. Cheio de sentimentos contraditórios. Numa colónia de um país parado no tempo, anacrónico, uns bons milhares de quilómetros para norte (10.000?). E todavia havia pessoas, e éramos jovens, e não havia telefones (só fixos, e não em casa, e mesmo assim a que se recorria só para emergências), nem computadores. Viam-se outras estrelas no firmamento. Havia dinheiro para trabalhar na Universidade. Encarregaram-me de fazer o museu didáctico dos Cursos de Letras. Todos os dias apareciam coisas, a cidade estava (pelo menos parcialmente) assente em terraços fluviais cheios de "indústrias" paleolíticas.
Era estranho. Era incómodo viver numa colónia africana, em que os africanos estavam em pano de fundo, como se fossem um cenário. Incómodo. Mas havia os jeeps, os meios sempre à nossa disposição para nos deslocarmos com os alunos. E pelo meio a sensação de estar a crescer uma bolha que um dia ia rebentar, mas ninguém queria aparentemente pensar nisso, e de certeza que não se podia pensar nisso. Mesmo quando dava as aulas, media cada palavra que dizia. Havia a PIDE, os seus informadores, e nunca se sabia quem eram: podia ser a pessoa mais simpática mesmo ao lado.
Estranho.
E no entanto, nunca vivi com tanto desafogo, numa casa tão boa, frequentando (para refeições e lazer) um hotel que era um sonho (Grande Hotel da Huíla), comprando para a "Faculdade" os livros que queria, tendo tempo. Nunca mais voltei a ter tempo. E todavia trabalhava constantemente, mas sem a sensação das catadupas de prazos, sem o stress da concorrência, este monstro que nos matou. E conheci pessoas muito boas. Apenas me fazia impressão viver como que dentro de um globo, uma espécie de aquário que um dia ia rebentar.
Também as colónias eram já então uma obscenidade. E a nossa presença ali um anacronismo. Mas um pôr do sol, as flores, a abundância (para nós, brancos) entonteciam. E de qualquer modo eu estava ali não por minha escolha, mas por ordem de quem em mim mandava.
Mais uma vez: estranho.



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