sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

objectos




O ouro que vamos buscar ao fundo dos lagos, tal como os peixes que trazemos à atmosfera, vêm conspurcados por essa mesma acção predatória. Têm frio, há uma certa agonia nesses seres, uma certa vulgaridade fora de água: são nossos objectos. Apresentam uma fragilidade dupla à frente. Têm dois mamilos gelados. E o ouro que os caracteriza dentro do seu ambiente natural dissolve-se ao sol do nosso olhar. Pobres vítimas da voracidade ordinária. O processo de objectificação do mundo, que traz o seu peito indefeso para a frente da observação, é ordinário. Tudo é transmutável em tudo, tudo é variação de tudo o resto: vítimas das câmaras de gás da voracidade objectiva. Da matematização indecorosa dos lagos, do que havia neles de lodo, de bichos que viviam sob o lodo, de camadas acumuladas de vasas verdes sob as quais ainda viviam outros monstros e bichos. Quisemos ver tudo, trazer tudo à tona, num afã miserável: e agora estamos presos das nossas criaturas moribundas, contemplamos e classificamos cadáveres. É reles, isto.
A vítima que entrega os mamilos aos algozes, a escravidão voluntária do sol trazido do fundo até à soberania do olhar, o corpo que sobe os degraus para expor os mamilos ao imperador indecoroso, eis a miséria a que assistimos. Sem apelo nem agravo. Há um frio que vem do fundo do universo, das lágrimas de incontáveis gerações de seres que aí se acumulam, objectivados. Essa é a verdadeira nudez.





Foto: Julie Pike
Texto: voj jan. 2009 porto

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