sábado, 31 de janeiro de 2009

tecto



A uma certa hora
Todas as roldanas sobem
E os candeeiros erguem-se, e dilatam
As ampolas

Todos se colam ao tecto
Como balões

À espera da Corte Florida
Do Rei Supremamente Caricato.

As atenções crescem de expectativa,
Altas, puxadas por argolas

E o corpo derrama-se,
Esfrangalha-se mesmo
Pela sala de baile, onde
De noviça em noviça
Há uma tremura, um risinho,
Um dichote, particular...


O Príncipe irrompe enfim
Com a peruca toda,
E uma menina entra em convulsões
E fica muito corada.

Os lacaios fazem a habitual corrida
Dos candelabros, puxam para o tecto
As últimas ampolas,

E no fim dirigem-se à sala de jantar
E começam a trinchar metodicamente os perus
Engalanados nas suas pernas viradas para cima,
Nas suas entranhas recheadas,
Nos seus gestos afectados: há de tudo. Elegância.

Uma açafata, num compartimento longe,
Onde os ruídos e as luzes chegam já
Muito filtrados, vê as suas nádegas rosadas
Expostas às mãos de um malandreco,
E olha para ele virando a cabeça,
Mirando hipnotizada o seu ímpeto escarlate.

Vivaldi passa a correr, porque lhe voaram
Algumas páginas de uma Missa.
Mas a cabeleira ruiva, esvoaçante,
Dá a volta a todo o Palácio, e vem tocar
As costas do Compositor, sossegando-o.

Louvado seja o senhor, suspira o ruivo.
Louvado seja o senhor, suspira a açafata.
Louvadas sejam as festas, tremem os peitinhos.

Subam as roldanas todas, diz o Príncipe,
Que aconteça de imediato alguma coisa!

Mas estão todos os candeeiros já no tecto,
Faz timidamente notar o Mordomo-mor,
E os perus esperam!

Avante para a mesa, dizem os cavalheiros,
Desembainhando as espadas.

Avante, gritam as saias das Senhoras,
Todos para a frente. E os macaquinhos pretos
Debaixo das saias, fazendo sabe deus o quê,
Dão saltos de contentamento.

Os músicos encetam então um Glória nas alturas
E os tectos cobrem-se subitamente de pinturas.



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Texto (porto) e foto (londres - victoria & albert museum) voj jan 2008

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