domingo, 18 de janeiro de 2009

rumor


Começo a falar e todavia quereria só sentar-me, deitar-me aqui, harmonizar-me com este ruído silencioso, com esta entrada progressiva da humidade das árvores lá de fora na humidade das tábuas cá de dentro. É o meu corpo digno de se deitar aqui, sou eu o Amigo ou o Intruso? Uma nudez é para ficar solitária, como uma árvore, como uma tábua estendida. E não tem descrição possível, a harmonia, a harmonia que nos atormenta: só contemplação. Contemplação, presença, estar, deitar, sentir entrar no corpo o odor do teu corpo, o que traz o odor das tábuas, das árvores lá de fora. Nada de lirismos fáceis, nada de literatura: só tábuas, e músculos, e troncos, e um pé que se dobra, e ao dobrar-se, silencioso no seu ruído, muda muita coisa. Só por partes se poderá uma pessoa sentar aqui, só por partes te poderá contemplar, cada onda do corpo, cada vaga de som, cada tremulante dobra da realidade. Passei toda uma Floresta para encontrar a Casa, toda uma floresta sem pássaros, só com os troncos negros, sem saber a estação do ano, sem saber por que me ardiam tanto os olhos, por que podiam os meus pés entrar nos ribeiros e sair do outro lado, só para poder chegar aqui? Que lugar é Aqui? Que tempo é Agora? Que significa eu estar aqui a falar, quando quereria ser mudo, não ter língua, não ter aprendido a falar, ser mudo e quedo como uma tábua estendida no inverno, como uma parede escurecida pelo cinzento, como a dobra do teu corpo ao centro. Que perfeição se deixa atravessar por estas linhas, captar por estes pixels, o que é que avança de tão tremendo, de tão comovente, através do preto e branco? Não é precisa uma história. Não é preciso um lá fora, isso tudo é trazido pelas minhas palavras, que corrompem. A tua epiderme, os teus músculos, o teu corpo vivo-morto bastariam, eu estou aqui a mais, não tenho posição para me deitar, não sei o que hei-de fazer contigo. Rendo-me. Entrego-me à fotografia, a mais criminosa das artes. E ainda ouço os ribeiros, ainda mergulho os pés suados de um lado, cheios de suor cinzento, e vejo-os sair do outro lado, mais brancos, mais limpos, talvez puros. Não sei o que fazer. Vou lá para fora, viro o olhar na direcção oposta a ti, é insuportável a tua doação, a tua nudez, a tua incrível nudez, estares assim debruçada, entornada para dentro de ti, debruçada sobre a tua completa doação, com as nádegas frágeis, com as frinchas das portas a entrarem-te pelas frinchas do corpo, e o musgo, o seu ruído. O seu rumor. E não poder fazer nada, dizer nada, escrever nada. Apocalipse do sentido, cegueira absoluta do olhar, escuta do sussurro do Universo, onde a tua morte e a minha morte dançam uma com a outra, num bailarico que se não sente nas tábuas, nem nas frinchas das portas, que fecho uma a uma atrás das palavras ditas.










Fotos (rep. aut.): Katarzyna Widmanska
Site: http://www.widmanska.com/show/index.php?x=browse&pagenum=1
texto: voj jan. 2009 porto

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