segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

o longínquo gesto






Às vezes o céu aproxima-se mais da terra
Do que o habitual,
E podemos fazer cócegas nos pés aos deuses
Para disfarçar a nossa submissão.

Estamos aqui, todos mergulhados
Dentro da mesma atmosfera, dando aos pulmões,
Como mamíferos.

Estamos aqui, diante do mar, e dizemos
Que ele é imenso, para disfarçar
A incapacidade do mergulho,
Do verdadeiro gesto.

Reduzidos a mexer o corpo
De um lado para o outro.
A desviar a atenção
Para isto e para aquilo.

E até o mar nos incomoda, é
Uma esfinge liquefeita, estendida,
E reaparece debaixo da terra
Sempre que fazemos uma cova.

Estamos aqui, a desenhar contornos,
A fazer coisas belas, a pedir aos outros:
Funde-te comigo, funde-te em mim,
Para eu me esquecer de ti e de mim.

Somos mendigos à beira de uma imensidão
Que deixou de o ser, tanto a povoámos
Com histórias, lendas, interpretações.

A nossa maldição de falarmos,
De não sermos rocha, este calcário
Poroso e branco, debruçado
Sobre os Egeus de toda a terra.

De andarmos a respirar, armados
Em máquinas, e de caminharmos para destinos
Como se fôssemos deuses, como
Se estivéssemos aqui por qualquer razão.

Às vezes o céu aproxima-se,
Faz do nosso mundo uma casa,
Uma sala almofadada, uma capoeira.

E perdemos o pio à beira do abismo.
Cansados de tanto cacarejar.



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imagem: Rolf Horn
Fonte (rep. aut.): http://www.f45.com/html/mainfram.html
Texto: voj porto dez. 2008

6 comentários:

Banshee disse...

Caro professor!
Agradeço a visita e o comentário ao meu blog.
Fiquei bastante contente, primeiro porque já tive o privilégio de escavar consigo, em Castanheiro do Vento no ano de 2005, e depois por ser uma pessoa que deposita em tudo o que faz uma grande paixão.
Muitos cumprimentos
Sophia de Matos

Vitor Oliveira Jorge disse...

Olá
Não me lembro de si, porque o seu blogue não tem uma foto sua...tem sim, à cabeça, uma imagem gótica muito expressiva. Foi você que a fez? quer lembrar-me quem é?...
Abraço
Vitor

Rosa Silvestre disse...

Olá Prof. Vítor, gostei deste poema, é lindo.
Obrigada pela visita a um dos meus cantinhos.Cumprimentos cordiais, RS.

Ana Paula Fitas disse...

Este é o poema... a linguagem falante com que enfrentamos lucidamente o mundo e com a qual transformamos os dias em simples, boa, eficaz e bela... poesia!

Eleonora Marino Duarte disse...

impressões:

freud,
lacan,
(hillman?)

arqueologia,
poesia,
(magia?)

trans-ferir
trans-curar,
transcender!

“...fazer cócegas nos pés dos deuses
para disfarçar a nossa submissão.” (lindíssima imagem!)


é exatamente por oportunidades como a que estou tendo agora que tenho respeito pelas barreiras que a internet derruba, do contrário talvez jamais ficasse ciente da existência do seu pensamento tão interessante.

versos, imagens e idéias, tudo de grande valor!

muito obrigada pelo convite e pela visita. desde já, acompanho seu blog,

grande abraço!

Vitor Oliveira Jorge disse...

Obrigado eu, Betina.
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Obrigado também às restantes pessoas que comentaram.
Este é o grande meio de nos exprimirmos.