O que há de mais fascinante numa "estação arqueológica" em estudo é exactamente ela constituir um conjunto complexíssimo de vestígios, de traços, mas de traços de algo que não está apenas ausente agora, no presente, mas sempre esteve ausente. Então, trabalhar com uma estação arqueológica é, precisamente, lidar com fantasmas de um fantasma maior, que nos assola: o que terá acontecido aqui? É impossivel saber, foi impossível saber em cada momento em que aconteceu, ou em que tal foi perguntado, isto é, cada um dos "actores" de cada passado teria a sua versão, a sua visão, o seu ponto de vista, e esse era ainda o que emergiria de todo um icebergue inconsciente, de todo um dispositivo latente. Portanto, o passado é uma fantasia nossa, mas uma fantasia que se distingue da ficção ou da história infantil na medida em que ela tem de:
- parecer o mais possível verdadeira, isto é, aproximar as próprias costas das costas do fantasma de maneira a parecer senti-lo;
- ser compartilhada por um conjunto de pessoas que comummente acreditam nela, assim a tornando verdadeira, pela convicção comum;
- basear-se num conjunto de técnicas, de protocolos, partilhados, para poder ser alvo de um trabalho de equipa;
- aparecer como uma recuperação memorial, com um monumento e um documento, simultaneamente, do que ocorreu antes.
A arqueologia, como aliás a história, desembocam em narrativas que correspondem a uma necessidade profunda de "ver o morto e de lhe fazer o luto", isto é, de velar (ou desvelar) o corpo. Um sustentáculo para a memória.
O prazer de escavar está intimamente relacionado com este prazer fúnebre, que existe em todos nós (de forma mais ou menos intensa). Com esta pulsão pelo vestígio, com este assombro da ausência.
Ausência que em cada momento parece que vai virar para nós a face. A face que, se existisse, seria certamente horrível de ver, na sua monstruosidade. A verdade do nosso fantasma é assustadora. Esconjuramo-la na história/ficção e na história/memória. Procuramos loucamente ver, adivinhar o que está ali, sermos os primeiros a adivinhar, para não ter de ver a ausência que transportamos, que habitamos, que olha de dentro de nós como uma esfinge, e que é o nosso grande vazio irremediável.
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