quarta-feira, 22 de abril de 2009

Novas formas de proletarização


Aqueles que acedem (já uma minoria) à Universidade para tirar uma licenciatura no modelo de Bolonha sabem que, ou fazem uma pós-graduação, ou nunca irão a lado nenhum com tal preparação "fast food". 
Aqueles que conseguem aceder a um mestrado, em Portugal ou no estrangeiro, com uma bolsa, são uns raros bem-aventurados, mas mesmo esses sabem que após o mestrado começará para eles um novo calvário. A grande maioria proletariza-se mal pode em empregos precários e em situações aviltantes ou inquietantes para os próprios.
Aqueles que - já num grau de proletarização de maior categoria - conseguem uma bolsa para doutoramento, ou então uns pais ricos que lho paguem (esta sociedade só é mesmo boa para ricos) têm um espaço ínfimo de tempo para a fazer, andando como loucos numa vida de agitação que é tudo o contrário do que é necessário à pesquisa, qualquer pesquisa, que implica sempre um trabalho de incorporação lento (qualquer que seja a instituição de acolhimento ou a qualidade do orientador; também depende da ambição intelectual do doutorando, se vai apenas fazer um trabalhinho para enaltecer o orientador ou se vai realmente fazer um trabalho a que possa chamar seu).
Ora, mesmo depois de passado com êxito o  doutoramento, que vai fazer o novo doutor se não tem a sorte de estar incluído numa daquelas áreas da ciência para quem vai a boa fatia do bolo? Logicamente, procurar uma bolsa de pós-doutoramento, fazer de novo biscates, eu sei lá. Ou seja, o indivíduo é posto pelo sistema empreendedorista num regime de constante ansiedade, ligada à fragilidade da sua situação.
É um dos tipos de proletário dos tempos modernos, que Marx não podia ter previsto, porque era uma pessoa como qualquer um de nós, um homem do seu tempo.
É preciso voltar a Marx?! Mas nunca saímos de lá, todos os que sabemos que juntamente com uma plêiade de outros autores, ele é fundamental para pensar o capitalismo do séc. XIX e portanto o mundo em que vivemos. Não podemos é dogmatizá-lo, cometer o crime que se faz em relação a todos os autores famosos: transformá-lo num dogma, num remédio. Ora, como se sabe, o fármaco tem, desde a sua raiz grega, o duplo sentido de elemento curativo ou mortal, venenoso, dependendo das doses. É por isso que a nossa busca não pára: queremos encontrar um remédio que não seja um veneno de uma nova alienação, quer dizer, de um tiro de pólvora seca no ar do mundo que se proletariza de forma cada vez mais abrangente e grave. Há que estudar.
Tentar encontrar novas vias para uma democracia, para afinal o principio utópico que qualquer sociedade devia perseguir: permitir a todos, de acordo com o seu valor, com o seu esforço, com o seu mérito, um mínimo de igualdade de oportunidades de acesso à sua auto-realização, dentro dos quadros do que a sociedade  estabeleça (assumindo o aspecto sempre conflitivo desse "estabelecimento" - não há uma vontade comum angélica, nem vamos suprimir as classes por nenhuma revolução súbita, não dá). É esssa hierarquização pelo mérito (a hierarquização dos valores da antiga burguesia) que a sociedade hedonista (mafiosa) está a minar, nada encontrando em substituição. Essa ausência de soluções é como a guerra em tempos idos: elimina do sistema muitos indivíduos que o sistema não pode integrar. Os proletários que se desunhem, ou então que  vão para a desqualificação, depressão, e morte. E assim uma elite nova de privilegiados pode aceder e manter à tona um sistema que julgaríamos prestes a afundar-se. Veja-se a simpatia despertada em torno de Obama e dos valores da velha América como terra da liberdade e ao mesmo tempo como poder que impera sobre o mundo. O homem é simpático e acredita em certos valores, tanto quanto um político os pode encenar. E é evidente que um estilo é fundamental numa sociedade de média. Mas também é óbvio que, estruturalmente, ele não vai mudar nada de essencial ao curso da história, se é que tal é possível para alguém nalgum momento.

2 comentários:

José Manuel disse...

Essa "hierarquização do mérito" na realidade nunca existiu. Basta ver como em algumas carreiras de topo, nos grandes conselhos de administração, etc se repetem constantemente os mesmos apelidos das mesmas famílias. São os que passam automaticamente da lienciatura para o topo da pirâmide social reencenando assim o antigo "mérito por nascimento" das sociedades aristocráticas. Claro que pode haver sempre uma ou outra excepção.

Vitor Oliveira Jorge disse...

É óbvio que a ideologia meritocrática é só isso: uma ideologia. Mas funcionou após a última guerra, quando o capitalismo tinha empregos para dar às classes médias-baixas, por exemplo. Agora tem biscates para dar, e os empregos ficam para a nova Nomenklatura, a das famílias ricas, é claríssimo. Os outros que se lixem.