quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Há uma maneira calcolítica de conceber certos sítios...



Na foto: à direita, dois grandes "bastiões" monumentais, afrontando o vale e a colina em frente, numa organização do espaço característica (agradeço ao meu colega alentejano o ter-me permitido recolher uma interessante documentação fotográfica, tal como fazemos em Castanheiro do Vento com todos os visitantes).




No passado dia 18 de Agosto, visitámos o sítio calcolítico de altura de S. Pedro, praticamente na vila de Redondo, Alentejo, que o arqueólogo Rui Mataloto tem vindo a estudar.
Torna-se óbvio que a existência de embasamentos pétreos de muretes com "bastiões" (designação puramente formal) constitui um estilo arquitectónico durante o Calcolítico peninsular, que vem (termo meramente descritivo) desde Almeria (Los Millares) até ao interior Sul e Norte de Portugal (Castanheiro do Vento de Horta do Douro, mas, embora menos conservado, Castelo Velho de Freixo de Numão), passando, é claro, pela Estremadura portuguesa. Os arqueólogos, tão prontos a encontrar estilos cerâmicos, e a tirar daí conclusões culturais, talvez devessem olhar mais para este estilo de muito maior escala, que tem a ver com uma concepção espacial e (diríamos hoje) estética, próprias. Não sabemos a extensão deste estilo na Península nem podemos fazer disso uma cultura como há um século atrás. Constatamos apenas um modo repetitivo de conferir monumentalidade, mas não só: cada murete é um limiar. Se ele contém, em cada um dos seus "bastiões" (como os dólmens de corredor de câmaras secundárias de toda a Europa) estruturas ou deposições particulares, isso não é apenas uma opção que hoje designaríamos "estética". Há uma vontade de "carregar simbolicamente" esses limiares, como se vê nas passagens, de que observámos uma muito bem conservada em S. Pedro, ainda com duas lajes fincadas laterais. As "portas" ou passagens foram sempre sítios críticos, ligados à ideia de limiar(diferença entre um interior e um exterior), simbólicos (até nas nossas casas de hoje...).
Pudemos também verificar afinidades construtivas no xisto, como a existência de grandes taludes de pedra monumentais, que a nosso ver e com a devida consideração por outras opiniões não são derrubes (os quais, obviamente, existem em todo o lado); são sim uma forma calcolítica de construir embasamentos monumentais, como se nota no Zambujal e noutros sítios, e em Castelo Velho e Castanheiro do Vento é mais que evidente: salta aos olhos.
Enfim, uma visita muito produtiva, que nos mostra o que há por fazer e por reescavar enquanto é tempo em Portugal neste típico modelo de arquitecturas, que configuram espaços de reunião e de reforço do laço social através do trabalho arquitectónico, por assim dizer. Era essa (a de servirem de símbolos comunitários, desde o início da sua construção) a sua principal "função", para usar uma palavra desadequada.
Naturalmente, nesta apreciação rápida e comparativa há factores de subjectividade, e há que confrontar estas hipóteses com novos trabalhos, muito cautelosos antes de se desmontar seja o que for, ou mesmo em vez de estarmos tão preocupados com as chamadas "fases de ocupação"... sempre o eterno problema do arqueólogo, que temos de repetir cada dia para nós próprios.
É uma pena que um sítio como este seja em parte demolido por uma estrada, desde logo forçando as escavações a decorrer a um ritmo que o arqueólogo não desejaria, compreensivelmente, e por outro fazendo perder à vila de Redondo uma das suas pérolas. Mais tarde, quando já não houver remédio, outros responsáveis por este tipo de obras vão arrepender-se desta e de muitas outras amputações que o nosso património arqueológico sofre dia a dia, na mais total indiferença ou impotência por parte das elites cultas do país.

4 comentários:

Tété disse...

Antes de mais muito obrigada pela sua amável visita.
É um prazer "espreitar" o seu blogue, mas já agora gostava de saber como é que chegou ao meu.
Ser-me-á difícil comentar os seus sábios e técnicos posts, face à minha ignorância arqueológica. No entanto, devo dizer-lhe que concordo e lamento que sítios que definiram desde sempre o panorama português, tenham sido desmesuradamente ultrapassados em nome do progresso; melhor dizendo -face a alguns (muitos) interesses.
Aparte a arqueologia e face à diversidade dos assuntos colocados ir-nos-emos encontrando.
Cumprimentos

Anónimo disse...

Os arqueólogos sempre, desde os Siret, olharam para estes sítios de altura como tendo similitudes formais e "funcionais": sempre reconheceram um "estilo". Seriam fortificações feitas por colonos ou autóctones, estilisticamente filiadas numa "forma de fazer" mediterrânica. Esta semelhança estilística sempre esteve na base das interpretações clássicas sobre estes sítios. O que um estudo destes sítios revela, a nível peninsular, é, pelo menos, duas coisas: - sim, existem similitudes na arte de edificar, nas formas de implantação, na organização dos espaços; - mas....está por descodificar o que implica esta semelhança estilística nomeadamente na sua articulação com o reforço das identidades de populações tão distantes como as de Castanheiro do Vento no Alto Douro português, as de S. Pedro, no Alentejo, ou as de Los Millares, em Almeria. Dizer que há um "estilo".... é descritivo. Pode ser relevante ou não...consoante o questionário e a escala de análise. Pode viciar ou não a análise. O que é um "estilo"? Quem quer mesmo discutir este tema?

Vitor Oliveira Jorge disse...

Cheguei ao seu através das pessoas que no seu perfil indicam os seus interesses. Fui lá por poesia...

Comente o que quiser, como quiser, quando quiser... eu agradeço!
Uma boa noite!
Vitor

Vitor Oliveira Jorge disse...

Eu quero discutir a questão do estilo, ou melhor, já comecei com o meu post... e noutros lados....
É preciso ver que a mesma palavra ou até conceito pode ser usada por pessoas diferentes em épocas muito diferentes... na nossa linguagem está a matriz de Platão e Arostóteles, etc, que são muito anteriores aos Siret...