quarta-feira, 26 de agosto de 2009

reflexão retrospectiva

Apesar de ter lido e de continuar a ler muito "literatura" (sobretudo poesia), e de ter escrito uns milhares de textos alguns dos quais se poderão chamar "poemas", nunca me senti um "literato" ou mesmo "escritor"... era como se me parecesse ser ridículo andar uma vida inteira a contar histórias ou a inventar ficções e profecias...
Gostando muito de filosofia (digamos que quando fui para o 6º ano tinha mesmo um desejo ardente de filosofia, para colmatar a descrença nas infantilidades religiosas em que me tinham tentado educar, mas apanhei logo com a lógica dada por forma a que não se percebia para que aquilo servia, quando secretamente eu queria era encontrar um caminho independente para a minha vida) nunca me vi a inventar sistemas conceptuais que corriam o risco de serem perfeitos e perfeitamente desfasados da experiência...
Gostando muito de ciências naturais, sobretudo do "mundo vivo", nunca me vi muito a recolher animaizinhos ou plantas, ou a trabalhar com microscópios em laboratórios, essas coisas assim... vem-me um cheiro a formol e a batas brancas acabadas de lavar que me lembra algo de esterilizado... esse cheiro também repelente e atraente ao mesmo tempo dos museus muito antigos parados no tempo, com as espécies empalhadas a olhar para nós...
Gostando muito da "aventura humana" e de saber por que raio haveriamos de ter tido a "sorte" ou "azar" de estar aqui, a tentar dar sentido ao que parece não o ter (ou não ter alcançável por nós) meti-me em história (não havia antropologia digna desse nome) mas porque me interessava a arqueologia pré-histórica, como se convencionou chamar. Intui que aí se cruzavam vários desses meus interesses, com a vantagem (mítica, é claro) de estar "agarrado à terra", de viajar, de ter experiências e de trabalhar em grupo, porque uma pessoa não se faz isolada... e foi para aí que acabei por ir, mas nunca fui o arqueólogo típico, à cata de descobertas e de peças fantásticas: sempre escolhi temas áridos e onde essas coisas tipo "Discovery Channel" não apareciam. Não digo que me estive sempre marimbando para as "descobertas", mas nunca tive muito esse fetichismo táctil dos materiais... ou então, se fosse coleccionador (de peças, de obras de arte, de imagens... ser fotógrafo, por exemplo) isso seria sempre algo distinto do meu percurso "intelectual", quer dizer, daquilo que de facto me desperta desejo, me suscita curiosidade. Fico sempre espantado com o olhar arregalado das pessoas para as novidades: para mim o mais banal que me rodeia é quotidianamente uma estranha e espantosa "novidade"... e penso ser isto uma sensação comum a muitos criadores, se é que posso pensar ou presumir que criei alguma coisa neste mundo.
Estou ultimamente a encontrar em Bernard Stiegler muitas coisas que vêm ao encontro desta minha peculiar encruzilhada: invulgar cultura e capacidade de conjugar pensamento e acção, visão crítica e acção voluntarista... ainda por cima vive em Paris e está sempre a magicar coisas interessantes! Sim! Passou a ser um dos meus professores...

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