Transferência "(...) A PSICANÁLISE INVENTOU DE FACTO UMA NOVA FORMA DE AMOR CHAMADA TRANSFERÊNCIA." JACQUES-ALAIN MILLER (Lacan Dot Com)
quinta-feira, 18 de outubro de 2007
nas pequenas coisas, se insinuavam
é verdade, os primeiros rostos do fascismo
voltavam a cruzar as janelas.
um novo tipo de fascismo, de facto,
muito mais sofisticado,
mas mais do que nunca legal, inatacável, imprescindível.
a bestialidade das pequenas regras
perseguia-nos a vida,
beliscando continuamente a possibilidade da alegria.
a violência é atraída pela felicidade dos outros
como as hienas pelo sangue.
e as arenas do fascismo alastravam rapidamente até
aos mais humildes funcionários, fazendo-os juntarem-se todos
numa horda uníssona, que pousava em toda a parte,
como os pássaros malfazejos.
burocratas das pequenas regras, armados de alicates
para extrair os dentes da alegria ao correr das ruas,
com as suas fardas reluzentes, com as suas bandeiras e insígnias.
funcionários da mais miserável mediocridade.
sem qualquer respeito por nada,
a começar por si próprios,
a não ser pelo cumprimento cego da regra
- eram abutres feios sedentos de beleza
que julgavam poder estigmatizar pelas suas bicadas.
mas a mulher e a poesia
e tantas outras coisas felizmente
sempre sobreviveram
aos fascistas que voltavam a povoar as ruas,
nostálgicos de passado,
bestas ávidas de ordem,
cirurgiões do cumprimento estrito.
e os bisturis que erguiam contra os felizes
que habitam a arte e o amor
acabavam mais uma vez como sexos murchos
na exaustão da sua própria maldade,
vencidos pela soberania enorme,
inantingível pelas hordas do cumprimento estrito,
do sublime saber que os soube ignorar
mesmo quando teve de estender o pescoço
a esses pequenos algozes quotidianos.
voj copyright 2007
Foto: Andy Julia
Foto: http://www.andy-julia-photography.com/home.htm
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2 comentários:
Este poema é extraordinário, Vítor. Como o compreendo, como o compreendo!...
obrigado.
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