quinta-feira, 18 de outubro de 2007

desjejum

passávamos dias a ler, enquanto os pássaros do outono vinham dessendar-se nos primeiros flocos de frio das janelas.





eu tinha a sensação de te ter sob um foco de luz, exposta, preparada para a primeira fotografia. e de longe estudava qual a melhor maneira de também eu me tornar pássaro, leve como os estuques que sobem pelas paredes e aparecem por detrás do sentimento, apanhando-o no seu cerne duravelmente.



era um ler desassossegado. de repente tudo tinha parecido tornar-se possível. um ténue caminho abria-se entre pequenas sugestõe
s. tu poderias finalmente exaltar-te, ou pelo menos era assim que eu te via, vogando no mesmo aquário da noite.




abrias os orifícios. e com a mesma persistência com que costumavas ler, assim trabalhavas os êmbolos que afastam desmesuradamente os lábios, puxam os dedos, dilatam os esfíncteres.
numa repetição interminável, que eu procurava acompanhar, ai de mim, único possuidor da coluna vertebral do sentido.
e afastava as franjas do texto com os pés suados, num desespero de pássaro predador, arranjando espaço, hesitando entre passar-te com a ponta das mais suaves carícias no pescoço, ou esgadanhar-te toda de uma só vez.

e de manhã encontrava-te de novo a ler, como se nada se tivesse passado.
então ia para a janela dar migalhas aos pássaros, tentando perceber o que estaria a ocorrer, preenchendo cadernos de pensamentos que tu nunca lerias, ou que, a leres, sempre desdenharias face ao que te apetecia de facto ler.

isso era uma história antiga, eu a ver-te beber um copo de leite com apenas umas peúgas calçadas, e sem saber qual seria a imagem seguinte;
a não ser que uma certa sensualidade esticava as carpetes, mantendo-as lisas, numa cópula extensa com o soalho e com o sol que banhava a casa.


Fotos: Andy Julia
Fonte: http://www.andy-julia-photography.com/home.htm

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