quinta-feira, 25 de outubro de 2007

inacreditável

Foto: Sophie Pawlak
Fonte: http://www.ma-nouvelle-vie.net/index.php


facilmente nas noites serranas um homem se encontra aparentemente perdido entre pinheiros erectos e silenciosos. parece que não sabe com o que sonhar. e ignorando-o, não pode encontrar uma casa onde dormir, um local onde por exemplo um nu se tenha voltado para a lareira para que uma câmara fotográfica dispare, criando assim um novelo de luz, algo que guie a imaginação.
um homem entre pinheiros erectos pode ficar lentamente com a pele da cara branca, da cor lenhosa da estupefacção. é que se crê que não consegue gritar mais alto do que as copas mais altas, saltar mais vezes do que as árvores já saltaram, tocar por exemplo um bandolim ou flauta que faça sair de detrás de cada tronco uma figura querida: essas coisas assim.
um homem destes, porém, não está em perigo. os lobos fogem dele; porque aparece poderoso, é poderoso, enverga as saias que deus usou, quando este rodou e criou em torno de si o universo.
o homem entre os pinheiros brancos e lenhosos, ri: ri da sua própria admiração por se encontrar tão incrivelmente maravilhado a meio do texto, longe de qualquer porta, quando todos os lenhadores já repousam há horas, deitados sobre os pedaços de tronco cortados, com os seus felinos dormindo ao lado.
um homem destes segura no braço uma águia de prata, tem as safiras dos olhos da ave bem assestadas sobre o silêncio, debruça-se nos abismos para ouvir os sons das névoas que sobem, os rios que nascem da superfície da película fotográfica, as imagens que proliferam como borboletas esbranquiçadas flutuando sob os flashes.

suprema beleza! os troncos estão cobertos de cogumelos doces e tenros; tenros e macios como as nádegas do modelo, que se terá entretanto voltado para a luz, dentro do seu lar quente, cheio de línguas de conforto esperando sobre os sofás onde se irá recostar, protegido da retina da câmara.
é a mesma cor tenra e amarelada, desperta a meio da imensa paleta cega do universo, o mesmo frenesim da vigília com que os corais emergem permanentemente de um fundo que jamais dorme.

de facto, os troncos e as rochas são da mesma substância das penas da ave; pêlos púbicos que anunciam o fervor com que se abrem as grutas da autêntica poesia, erguem-se há milénios sobre os abismos, esperando.
por que aguarda tanta coisa em torno do homem que está no meio do texto, escrevendo com o seu próprio sangue roxo? porque se suspende tudo em uníssono? porque crescem os troncos desmesuradamente? porque é que este coro ensurdecedor, inaudível, correspondente a uma autêntica multidão batendo compassadamente os pés no chão da dança, se designa a si próprio ritual? não é verdade que é ele que mantém a respiração?
há mais seixos que respostas por aqui, neste chão iluminado entre os troncos brancos, absolutamente despidos de sentido, indiferentes às vicissitudes ridículas da história, às intrigas do acontecimento.
abre as mãos, desvenda se puderes o que quer a mulher que se fechou dentro da cápsula da noite, abre a caixa da noite sobre a encosta da serra, retira a tampa da objectiva para que possas disparar, derrama as safiras pelo monte abaixo.

exalta-te entre os pinheiros altos, cujas copas redondas, lá muito em cima, servem de cama aos sonhos, às nuvens do mundo.
mas não durmas nunca. prepara os alfanjes de prata. não temas a morte, suave como a mão da adolescente. ultrapassa os limites ao som dos tambores, põe as plantas dos pés sobre os riscos da geometria do universo.
aguarda por que a noite chegue ao seu núcleo mesmo, ao momento exacto do disparo, da cintilação inútil.
o teu canto rouco será provavelmente ouvido longe, de serra em serra, de corpo nu em corpo nu, de imagem em imagem, de recordação em recordação, de cápsiula em cápsula, até ao coração negro do nada, de onde escorre uma lágrima negra, com atrasada nostalgia.
oh homem aparentemente perdido entre brilhos suspensos, de todos esquecido, por ninguém amado!
esta tua espera, invisível, desconhecida. esta repetição. este poder com que ergues bem alto os troncos de prata, a suspensão da ave sobre o teu braço percorrido pelas veias do infinito, as veias dos rios que se ouvem como um rumor ao longe, reduzido a uma imagem.
o candeeiro aceso dentro da noite. o calor onde incólume queimarás - muito antes e muito depois - as tuas unhas de safira. o modelo caminhando às arrecuas para dentro da fotografia, no interior da cápsula. os troncos altos. o frio, a tua face azul só de ti conhecida. os abismos onde o sentido cai a prumo para logo se levantar de outro lado.

é inacreditável a tua energia, aquela que faz dobrar o joelho da música, a armadura da emoção.
o vigor que irradias faz tremer o texto até aos seus confins, homem que outros diriam perdido na noite, ignorantes da tua força irresistível, poeta, face visível da própria beleza, da força que dobra o braço da noite em dois, tu que atrais todas as figuras suadas caminhando para ti, ungidas dos óleos, finalmente focadas na retina do autêntico disparo!
tu que forças a imagem do modelo a levantar-se, a aproximar-se de frente, transportando sobre o púbis a águia que tu próprio lhe enviaste!

voj copyright 2007

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