quinta-feira, 25 de outubro de 2007

coming back home

de olhos ardentes pelo cansaço, pelo brilho dourado dos asfaltos,
pela sucessão dos dias e das noites ao volante,
pelos painéis deslumbrantes que se sucedem
quando viajamos ao ritmo celeste, arquitectónico,
das nuvens que aparecem, sempre em configurações inéditas,
e logo fogem
para detrás da retina,



atravessamos continentes sempre na companhia
de um sussuro, de um som de motor,

de uma voz inexplicável, de fotos do passado,
de painéis de controlo
onde julgarmos ver os olhos de um ser amado
esperando no destino.

accionamos botões, falamos dentro de cabinas
para outros pontos do universo,
cruzamo-nos com nómadas
que nos olham através dos reflectores
como a quererem transmitir-nos uma mensagem
sobre as intermináveis tempestades de areia
que podem advir,

e logo escapam
para detrás da retina.

ansiamos pelo momento
em que possamos desfolhar
o livro íntimo
sob palmas tranquilas,
banhado pela luz que passa entre
juncos filtrados pela paz,

o livro antigo que conta o nosso destino
em iluminuras brilhantes,
no meio de animais fantásticos,
o livro dos salmos,
o livro dos leões,
o livro dos templos,
o tratado das penetrações do corpo
pela alma jovem,
a descrição dos banhos da mulher,
entre sandálias e veias de mármore.

tudo imagens que aparecem e desaparecem
a grande velocidade,
e logo fogem

para detrás da retina.



e paramos num motel, e noutro, e noutro,
comendo uma sandes sempre à luz de edward hopper,

deixando-nos perder nos enredos da narrativa,
atrasar pelos rostos complacentes de bâton,

enquanto se dá o abrir e fechar resplandescente
dos néons, dos anúncios, dos décors da noite,
e jovens espreguiçam os sovacos negros,
e fazem requebros de déjà vu
sobre colchões usados,
passos de dança um pouco desajeitados
no estilo da roupa interior local,


flashes que logo fogem
para detrás da retina.



aproximamo-nos da efígie;



e encontramos a casa um pouco entornada,
o esgar de uma ou outra mulher
aparentemente em fuga pelos corredores,

o passado e os sonhos de futuro escapando
para detrás da retina,

trespassados por qualquer coisa de inevitável;
uma irreversibilidade que até deita sangue.




mas imperturbáveis damos a mão direita
à fauce do galgo de porcelana,
que à porta se preparou longamente
para com carinho a abraçar e desfazer,
no seu tique de animal de estimação

próprio para celebrar as chegadas.

e dizemos-lhe: "come, sacia-te, sabe a longe;
e não te engasgues nos tendões e nervos,
que eu depois com a mão esquerda que resta
ainda os retiro
e os deito ao lixo,


pois são pedaços
que logo fogem
para detrás da retina,

e eu apenas quero dormir
ao lado de uns olhos aplacados."



voj 2007

FOTOS: NATASHA GUDERMANE
FONTE: http://photo.net/photos/gudermane

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