o outono tem os seus gritos próprios, os seus cantos de agonia. simplesmente, eles existem noutro mundo, estão virados para o lado de lá do espelho, pelo que não chegam até nós: só são perceptíveis as suas forças, como figuras invertidas. não se ouve um som. são aparições que olham para o hemisfério sul, para outras estrelas e planetas. o seu olhar é roxo, e alimentam-se de pavões, que matam e consomem directamente sobre a relva, jamais maculando o vestuário, porque esses pavões não têm sangue, são irreais.
não se pode propriamente falar de crueldade, apesar de existirem olhares que nos trespassam como se fossem hastes de rena extremamente polidas e aguçadas; atravessam o ar e passam pelo meio das pupilas, deixando pequenas manchas de sono que procuramos afastar da retina, para poder continuar a escrever. o outono é a estação em que os beirais dos nossos olhos começam a sossobrar sob o peso do musgo, que no entanto afagamos como se acaricia um gato que aparece com as pupilas de mica, e sabemos não ser um gato mesmo, mas uma alegoria, uma figura literária.
uma criatura quando ultrapassa certas medidas é ainda um ser humano? os seres que se deslocam de andas no horizonte têm sentimentos? até onde se pode ser amputado do que se tinha, continuando a prosseguir um destino? até onde pode uma cabeleira metamorfosear-se, quanto pode uma saia ser esticada, que azimutes existem ainda para descobrir pela vista? que áleas dos jardins não foram ainda inventadas? de que entre novas espécies de arbustos saem os pavões?
quedei-me apaixonado por esta estação, como já me tinha acontecido com as anteriores. gosto das cores, colho-as do meio do ar, talvez me nasçam mesmo nas palmas das mãos. ergo os braços, e trago cabeleiras, como quem apanha sargaço, mas na vertical. e por vezes, no meio de todos esses materiais, descem também sobre os relvados figuras que assombram o texto. por mim disfarço, fingindo-me um simples jardineiro que trata das plantas. não tenho filhos nem pais, ninguém nem nada que me prenda ao mundo. apenas as palavras, que teço e enlaço como cordas, e que me permitiram talvez não ter ainda caído no hemisfério sul, de pernas para o ar, miséria em que ficaram presos muitos companheiros, os quais agora olham para o outro mundo, sob a relva, deitados de borco sobre a humidade.
expostos às bicadas dos pavões, à sua picada violeta.
não se pode propriamente falar de crueldade, apesar de existirem olhares que nos trespassam como se fossem hastes de rena extremamente polidas e aguçadas; atravessam o ar e passam pelo meio das pupilas, deixando pequenas manchas de sono que procuramos afastar da retina, para poder continuar a escrever. o outono é a estação em que os beirais dos nossos olhos começam a sossobrar sob o peso do musgo, que no entanto afagamos como se acaricia um gato que aparece com as pupilas de mica, e sabemos não ser um gato mesmo, mas uma alegoria, uma figura literária.
uma criatura quando ultrapassa certas medidas é ainda um ser humano? os seres que se deslocam de andas no horizonte têm sentimentos? até onde se pode ser amputado do que se tinha, continuando a prosseguir um destino? até onde pode uma cabeleira metamorfosear-se, quanto pode uma saia ser esticada, que azimutes existem ainda para descobrir pela vista? que áleas dos jardins não foram ainda inventadas? de que entre novas espécies de arbustos saem os pavões?
quedei-me apaixonado por esta estação, como já me tinha acontecido com as anteriores. gosto das cores, colho-as do meio do ar, talvez me nasçam mesmo nas palmas das mãos. ergo os braços, e trago cabeleiras, como quem apanha sargaço, mas na vertical. e por vezes, no meio de todos esses materiais, descem também sobre os relvados figuras que assombram o texto. por mim disfarço, fingindo-me um simples jardineiro que trata das plantas. não tenho filhos nem pais, ninguém nem nada que me prenda ao mundo. apenas as palavras, que teço e enlaço como cordas, e que me permitiram talvez não ter ainda caído no hemisfério sul, de pernas para o ar, miséria em que ficaram presos muitos companheiros, os quais agora olham para o outro mundo, sob a relva, deitados de borco sobre a humidade.
expostos às bicadas dos pavões, à sua picada violeta.
é assim que nascem as plantas e crescem as flores. os meus amigos são floreiras viradas para o outro mundo.
não se vêem, jamais aparecem ou falam. apenas surgem sob a forma de cores espalhadas, que recolho na atmosfera, e aperto nas palmas das mãos, tal como se faz às pétalas, quando se pretende extrair-lhes o suco, sentir o seu tacto aveludado e lento.
não se vêem, jamais aparecem ou falam. apenas surgem sob a forma de cores espalhadas, que recolho na atmosfera, e aperto nas palmas das mãos, tal como se faz às pétalas, quando se pretende extrair-lhes o suco, sentir o seu tacto aveludado e lento.
Fonte: http://www.andy-julia-photography.com/home.htm
Texto: voj 2007
Sem comentários:
Enviar um comentário