sábado, 25 de outubro de 2008

Eu procuro dizer como tudo é outra coisa. *




Eu procuro dizer como tudo é outra coisa.

Eu procuro ver o cão recém-chegado.
A sua boca, a espuma da sua
Proximidade.

Eu procuro as costas da tarde
Nos seios expostos da luz.

A curva que a casa faz
Ao dobrar-se sobre a colina: esse
Movimento.

O espanto do cão.
A sua mordedura no sofá. Sentir
A mesma sensação nos Dentes.

A exposição dos candeeiros.
Os globos rolados da colina.
A tentativa do cão os apanhar com a boca,
Apesar de serem muitos, e intermináveis.

Eu sou o cão recém-chegado.
O cão Espantado.

Acerco-me da hiprocrisia dos sofás
Da sua falsa exposição e disponiblidade.

E neles espeto as facas
À procura de algo escondido dentro
Como o dentista se debruça sobre a boca e cai
Entre as amígdalas.

O médico frio que se aproxima
Com o estojo dos estiletes.

Eu procuro as jarras, as pinças
Que decoram os apartamentos das pessoas,
Essa Consensualidade.

Com as facas. Com as fauces.
Com a raiva contraída.

Porque eu vejo que tudo é outra coisa.
Que toda a coisa está um milímetro
Ao lado de si mesma.

E em vez de as querer fazer coincidir, ou sobrepor,
Eu gozo com essa fenda.

Eu sou um um cão em fato completo
E gravata
Que se aproxima com olhos dilatados
Dos sofás.

Da sua espantosa ontologia.


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Foto Aya and Ned

http://www.louchelab.com/index.html


texto voj outubro 2008

* verso de Herberto Helder, de Poemacto, recolhido em A Faca Não Corta o Fogo, Lisboa, Assírio & Alvim, 2008, p. 12.

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