terça-feira, 3 de março de 2009

possibilidade da Respiração



De noite
O ser humano
Vai-se reclinando completamente
Sobre a noite, o absoluto vazio
Das perguntas que vêm do azul profundo
Do universo.

Os espelhos abrem-se
Para auscultar melhor essa mensagem
Fria;
E reflectem figuras
Desamparadas.

Vogando neste espaço/tempo
Um quarto de dormir
É um sítio
Sobrenatural,
Onde as galáxias se estendem na colcha
E esse som, esse som de fundo simétrico
Sai das mesinhas de cabeceira.

Os tapetes onde um pé se apoia
O tacão alto que o gesto tenta alcançar
E este som que sai das fotografias
Este néon que vem das imagens
E encandeia o olhar...

Estamos numa nave perdida
No meio de duas molduras
E há esse desajustamento
Por onde entra a corrente gélida, azul,
Das perguntas.

O ruído de fundo do universo
Surpreendeu o modelo que só queria
Arranjar-se, ir para a festa, embriagar-se
Para lhe passar esta sensação de estar a ser fotografado
Sem uma legenda.

Os móveis espalham-se;
Como que levitam mesmo quando
Estão pousados, desfasados
Entre si e si, neste imenso vazio
Que existe nas frestas do sentido.

Uma figura curva-se sobre si mesma
Entrega-se ao domínio do calçado
Tenta subir aos tacões altos
Tenta respirar sobre os tapetes,
Através do papel de parede,
Apesar dos quadros pousados a meio
De um espaço/tempo desamparado.

É uma alma procurando Deus
Que ficou do outro lado do espelho
Rindo-se para toda a eternidade;

Porque ele sabe melhor que ninguém
Que não existe... e nesta atmosfera ainda aparece
O modelo que atravessa
a imagem,
E ainda faz dentro dela uma tentativa desesperada

Para vir a sair do quarto,
Para obter a possibilidade da Respiração.

Para se con-fundir
com esse riso, com a Suprema Perversidade
da porta!


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Imagem (rep. aut.): Frank Herholdt
Site: http://www.frankherholdt.com/html/personal_detail2.php?id=160&gallery=Personal
Texto: voj porto março 09

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