quarta-feira, 4 de março de 2009

Palavras para o Minuetto I (Grazioso) e Minuetto II da Sonata em Lá Maior para dois violoncelos, de Giovanni Battista Bononcini (1640-1747)




Conheces
O modo como as heras sobem
Ao longo das eras
Pelas paredes,

Pelos muros altos

Onde, intenso, bate
O tempo?


Conheces como as doenças
Abraçam amorosamente
Os corpos

Até lhes chegarem
Ao beijo negro
,
Negro,

Ao amplexo dado
No topo:

Quando toca um sino?

Sabes
Esse excesso de veias
Que caminham constantemente
Em rede, em leque

E se expandem
Como se fossem líquenes

Ou fungos,

Dotados de uma persistência
Fantástica;

Essas dermatoses do tempo
Onde bate o sol,
Como se fosse o tempo caminhando todo,
De uma só vez,
Contra o sentido,

Violento?


Viste já esse olhar
Que os seres reenviam
Nos limiares,

Esse olhar terrível
De quem vai atravessar
Uma porta,
Uma janela
,
Uma cortina,
Um biombo

Irreversível,

Sem saber o que lhe fica antes
Ou depois?

Há mares que se comovem por menos...

Oceanos inteiros que se revolvem
Constantemente
Procurando libertar das costas
As algas que os invadem
De um período geológico
Para outro,

E assim atiram contra as falésias
As vagas da fúria,

A força do universo:
Cumprindo com precisão
A sua tarefa de existir sem fundamento,

Repetida
?

Sabes como umas espáduas
Podem ser tão macias, e nuas,
E indefesas
Que tiram a pele às próprias palavras

Que as enunciam,

E como uns pés perdidos, largados
No azul do ar,

Ou umas nádegas continuamente
Maceradas contra a pele rugosa
Do granito,

De século em século, através do vento,

Atravessam os impulsos amorosos?

É uma física por construir,
Uma astronomia ao invés,
Como se o universo tivesse descalçado
A Luva, e nesse acto insensato
Os dedos se expusessem na sua ausência.

Por isso insisto na pergunta:
Sabes como o bolor cresce
Com um ruído mínimo
Entre os minutos, e corrói,

Mesmo aqueles que já se abraçaram
De um milénio para outro,
No entreaberto,
De um lado para outro das janelas?

Olha: neste momento em qualquer ponto
Do mundo
Está uma grande cratera negra,
Uma gruta
A desdobrar-se para fora de si.

Uma túlipa túrgida abrindo-se
;

E dela está a aproximar-se,
Numa viagem

Que começou há muito tempo no Futuro,
Aquilo que a há-de preencher

Numa convulsão tão absoluta,
Tão lenta, tão anterior a qualquer lentidão,
Que mesmo as unhas encaracoladas de Deus
Se hão-de contorcer na sua soberania.

Essa resolução impossível
Está permanentemente

A acontecer,
Subjacente, perversa como a progressão
Das células malignas;

E uns olhos terminais estão sempre
A dizer-nos adeus
Antes de passarem para outro lado
De uma cortina fosca, de um biombo
Por detrás do qual o passado e o futuro
Se abraçam;

São coisas que impedem de engolir:

É impossível fechar a garganta

Sobre estes punhais tão afiados

Quando se sabe que o abraço
Desses amantes é exactamente o mesmo
Do assassino e da sua vítima,

Esse Par Supremo, o Abraço
do Mesmo ao Mesmo!


Rodeado de heras sobre as eras.
Provido de asas e luzes,
Exausto pelo tempo que demora

Até cair sobre a água, sobre o espelho de água,

um som agudo de sino.





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Imagem (rep. aut.): Frank Herholdt
Site: http://www.frankherholdt.com/html/personal_detail2.php?id=160&gallery=Personal
Texto: voj porto março 2009

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