adeus. aguenta-te, lucindo. sabes, o português não tem aquelas duas expressões do francês, adieu, que é um adeus definitivo, e au revoir, que é um até à vista... um adeus vago de quem espera reencontrar-se alguma vez, algum dia, em algum lugar.
nós sabemos que não há outro lugar senão este, aqui na terra, em que tu e eu nos encontrámos. sabemos que aqueles que acreditam noutro lugar o fazem por muitas razões, e entre elas a fraqueza de serem incapazes de enfrentar o óbvio. mesmo que houvesse uma vida para além desta vida, havia de ser bom poder de novo ver-te, sim, mas ao mesmo tempo era chato, teríamos de reiniciar toda uma relação noutras circunstâncias e preparar-nos para uma nova vida eterna para além dessa eternidade: vertigem em que só um louco ou pobre de espírito se quer meter. pois é bem evidente que o facto de eu gostar de ti só tem sentido porque isso um dia acabará definitivamente, sabemo-lo bem. estamos dentro da duração, e até a eternidade, e até deus, estão dentro dela, porque são ideias nossas, quer dizer, nem sempre se pensou ou sentiu assim. e deus já esteve muito mais perto, mesmo para os que acreditam ele virou as costas, perdido em equações mais complexas, maquinando mais absurdos. já chega.
por isso adeus, adeus desde já por muito que isso seja trágico. mas é também belo, incrivelmente belo, porque é um adeus dito a partir de um ponto de horizonte que é uma garganta cheia de picos de angústia, de saudade. e a saudade é sempre saudade do que nunca chegou a ser, a nostalgia de uma impossibilidade desde o início. quer dizer, amámo-nos porque a morte nos esteve desde o início prometida, e nenhum de nós jurou fidelidade logo, ela foi-se construindo pelo entrecruzamento dos nossos passos na casa, pela casualidade que nos juntou e nos atou numa espécie de persistência.
aguenta-te, sabes porquê, certo? tu és o meu alter ego, isto é, aquele em que eu me revejo, a fragilidade total, o desamparo total, o sem-tecto, o órfão radical, o sem amigos nem amor, tu és o absoluto outro, mudo, que eu carrego e transporto, e se inquieta, e me inquieta. tu és a minha interrogação, o olhar desamparado que me olha no meu desamparo, na minha absoluta animalidade, aquela característica que as pessoas permanentemente disfarçam vestindo-se, engalanando-se, preparando-se absurdamente de toda a maneira para tentarem esconder o escondível, o anúncio da morte que transportam dentro do corpo. mesmo nos momentos mais felizes, quando o dito corpo se ergue como um imperador, e manda, e é bom sentir isso, e as pessoas dão urros como só é permitido a um soberano, descompor-se momentaneamente.
adeus, rapaz. queria dizer-te isto antes de partir, sem qualquer comoção nem choro, porque isso é para os infelizes. e nós somos felizes, queremos ser e por isso somos, estamos do lado de cá do sol, mesmo quando esse sol é o do último dia, o sol que banha o interior do avião que não pousará jamais.
aguenta-te. é lixado, custa muito, mas foi desde sempre assim, nós é que fomos adiando. fixe, meu.
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foto e texto: voj março 2009 porto
nós sabemos que não há outro lugar senão este, aqui na terra, em que tu e eu nos encontrámos. sabemos que aqueles que acreditam noutro lugar o fazem por muitas razões, e entre elas a fraqueza de serem incapazes de enfrentar o óbvio. mesmo que houvesse uma vida para além desta vida, havia de ser bom poder de novo ver-te, sim, mas ao mesmo tempo era chato, teríamos de reiniciar toda uma relação noutras circunstâncias e preparar-nos para uma nova vida eterna para além dessa eternidade: vertigem em que só um louco ou pobre de espírito se quer meter. pois é bem evidente que o facto de eu gostar de ti só tem sentido porque isso um dia acabará definitivamente, sabemo-lo bem. estamos dentro da duração, e até a eternidade, e até deus, estão dentro dela, porque são ideias nossas, quer dizer, nem sempre se pensou ou sentiu assim. e deus já esteve muito mais perto, mesmo para os que acreditam ele virou as costas, perdido em equações mais complexas, maquinando mais absurdos. já chega.
por isso adeus, adeus desde já por muito que isso seja trágico. mas é também belo, incrivelmente belo, porque é um adeus dito a partir de um ponto de horizonte que é uma garganta cheia de picos de angústia, de saudade. e a saudade é sempre saudade do que nunca chegou a ser, a nostalgia de uma impossibilidade desde o início. quer dizer, amámo-nos porque a morte nos esteve desde o início prometida, e nenhum de nós jurou fidelidade logo, ela foi-se construindo pelo entrecruzamento dos nossos passos na casa, pela casualidade que nos juntou e nos atou numa espécie de persistência.
aguenta-te, sabes porquê, certo? tu és o meu alter ego, isto é, aquele em que eu me revejo, a fragilidade total, o desamparo total, o sem-tecto, o órfão radical, o sem amigos nem amor, tu és o absoluto outro, mudo, que eu carrego e transporto, e se inquieta, e me inquieta. tu és a minha interrogação, o olhar desamparado que me olha no meu desamparo, na minha absoluta animalidade, aquela característica que as pessoas permanentemente disfarçam vestindo-se, engalanando-se, preparando-se absurdamente de toda a maneira para tentarem esconder o escondível, o anúncio da morte que transportam dentro do corpo. mesmo nos momentos mais felizes, quando o dito corpo se ergue como um imperador, e manda, e é bom sentir isso, e as pessoas dão urros como só é permitido a um soberano, descompor-se momentaneamente.
adeus, rapaz. queria dizer-te isto antes de partir, sem qualquer comoção nem choro, porque isso é para os infelizes. e nós somos felizes, queremos ser e por isso somos, estamos do lado de cá do sol, mesmo quando esse sol é o do último dia, o sol que banha o interior do avião que não pousará jamais.
aguenta-te. é lixado, custa muito, mas foi desde sempre assim, nós é que fomos adiando. fixe, meu.
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foto e texto: voj março 2009 porto
1 comentário:
O Lucindo teve mais recaídas... coitado! Estamos já a fazer o luto dele, envolvendo-o do maior carinho possível.Não digo mais nada sobre isso.
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