quinta-feira, 13 de novembro de 2008

rapariga


que faz a rapariga? lê? escreve?
por que se movimenta,
se até o mar está parado?

como é possível escrever
o mar parado,
enrolar-se na onda
cristalizada da imagem?

é possível ! diz
a rapariga,
na sua jovem coragem,
levantando um punho
sobre o tornozelo.

é possível traçar
o hieróglifo do mar
a alegoria dos
princípios.

eu sento-me com o meu corpo
em frente
à mais absoluta estranheza
e o mar começa
a crescer do interior dos meus olhos

e chamo todos os deuses à praia
para assistirem a este milagre!

trata-se aqui do Espantoso
da erecção do cálamo;
trata-se do percutor que cinde
trata-se do buril que risca
trata-se da onda de tinta

trata-se do negro da pupila
que inscreve, que atira contra o azul
indiferente
toda a espantosa juventude!

esse milagre, essa praia
parada
esse litoral
que é como uma parede deitada
onde as palavras vêm à tona
e enervam todo o sistema
sanguíneo

e a escrita transcende o corpo.
e a pessoa sentada senta-se sobre o seu
futuro.
e a rapariga traça o hieróglifo
do seu destino, da sua morte, do que há de negro
por dentro disto tudo.

mas esse alcatrão só virá dar à praia
muito mais tarde. quando no passado
a mulher que a rapariga foi
sorrir de dentro de uma foto,
e carinhosamente disser:

foi possível!

e uma lágrima negra
lhe escorrer do rosto
mas em sentido contrário;

e voltar a entrar
na pupila.
preparando novos mares.
as extensões do espaço-tempo.

as orgulhosas extensões
da esfinge, que pousa, que se senta
sobre a areia inscrevível.

indescritível.

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agradeço à d. esta foto
texto voj 2008 novembro porto

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