Quem não sabe fazer nada com as suas próprias mãos, é um ignorante.
A sofisticação da tecnologia e a especialização que exige tornou-nos a todos uns grandes ignorantes, porque quase nenhum de nós sabe fazer nada do princípio ao fim.
Felizes dos que sabem trabalhar a terra, os materiais, fazer um artefacto.
Porém, nada de basismos redutores: escrever, pensar, é também movimentar o corpo e usá-lo.
Por isso não faz sentido esta dicotomia entre mente e corpo.
Quem estuda a mente, ou quem estuda o corpo, estuda dois fósseis conceptuais, e nunca aprenderá nada.
Quem transformou o saber em informação e em negócio um dia perceberá a perversão em que se meteu.
Oxalá a tecnologia nos venha a permitir regressar ao velho artesanato, isto é, fazer, produzir, fornecer aos outros um objecto acabado, saído das nossas mãos.
O que sabe cuidar do jardim, quer dizer, do campo, do oásis, e trata a terra com o carinho de uma pessoa de família, por exemplo, esse sabe.
O que sabe trabalhar a palavra, pela oralidade, pela gestualidade, pela expressão, pela escrita, esse sabe.
O importante é estar activo, e com felicidade por o estar: a inactividade compulsiva (reforma, tristeza e vazio dos idosos, ausência de "projecto") é a outra face da escravidão do trabalho. Por vezes, não morrer e não querer morrer parece quase obsceno.
Que os deuses, ou quem de direito, se apiedem daqueles que não sabem o que fazer. Nada há de mais triste do que o desencantamento contemporâneo, nada de mais pornográfico do que o constante desejo primário de gozar, fazer, ter, acumular.
Uma criança sai de uma porta de uma aldeia do deserto, e sorri-nos. Um gato furtivo aparece do nada, como só ele sabe. Esses sabem alguma coisa, mas estão subordinados. Um bicho sabe como cair sobre a sua presa: admiro o predador infalível.
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