terça-feira, 23 de setembro de 2008

volatilização

"(...) Os amigos que enlouquecem e estão sentados, fechando os olhos,/
com os livros atrás a arder para toda a eternidade./
Não os chamo, e eles voltam-se profundamente/
dentro do fogo." (...)
Herberto Helder
"Ou o Poema Contínuo"
Lisboa, Assírio & Alvim, 2004, p. 127 ( do livro "Lugar")




Por vezes a beleza, ou a sublimidade, ou o que se queira chamar a essa berma de precipício em que a alma, absolutamente desamparada, se acerca de alguns instrumentos muito elementares, é tão grande, que







é preciso deixar um longo espaço até à parede, até às copas mais altas, até aos bandos de pássaros em disparo e dispersão, para que os sentidos se volatilizem e entremos no reino adornado do encantamento.
É o momento das janelas, do trespasse do corpo através dos espelhos.

Por que não tínhamos inventado isto antes, afinal, por que percorremos tão longo caminho sobre gumes de obsidiana, quando os pés se podiam desmaterializar!

Por que esperámos uns pelos outros, se este trespasse é só aqui, só desta maneira, só com cada um de nós?
É útil deixar espaços, e linhas, e planos. Planos brancos verticais.


E aparecer do outro lado do incêndio dos livros,
para o qual se viram as caras afogueadas dos amigos


- onde o calor é insuportável.



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Fotos: Sacha Federowsky
Fonte (publ. aut.): http://www.sachafedor.eu/index.html

texto: voj 2008

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