Daqui
Consigo ver a Terra
E o lugar onde nasci,
E o teu passado também
Aqui
Consigo traçar limites:
Esta é a terra, este o céu
E eu chamo-me Nuvem,
E Tu, Nuvem também
Este é o ventre
De areia
De onde deslizo há décadas
Finalmente desvendado
Quantos dias
Quantas botas gastas
Para poder chegar
A um lugar assim
Onde os braços e as pernas
se perdem, se desfazem
Para só ficarem estrelas
No lugar dos olhos
E o lento, lentíssimo prazer
De deslizar
Quanto foi preciso esperarmos
Para chegar finalmente
A ver este horizonte
Onde tudo se clarifica
Mais nítido do que o diamante
Da Ideia pura levitando,
De um sentimento mesmo muito alto,
Um Castelo aéreo
Esticado até às ameias da retina.
Aqui são pegadas,
Ali um trilho,
Aqui passou alguém
Num futuro muito distante
Mais adiante um réptil foge
Para um passado escondido.
E as nuvens somos nós
Derramando-nos sobre todo
o tempo inútil
Já vivido
Pois aqui
Até os renques de finos caules
Que nascem nos interstícios
Prendem o frenesim das areias,
Estancam o sentido
Num panorama que nos pousa
Sobre a cabeça.
Como um grande bolo celeste
Que se insufla, que cresce,
Este é o lugar de onde o corpo
Sobe e desce
Até às fontes da secura, da mais pura
E rósea areia, e escorrega
- Este é o terceiro elemento que nos ata
Que nos põe os atavios do camelo celeste
O seu fato vermelho
Os seus olhos dirigidos pelas luas
O seu focinho amarelo, coberto
De flores de açafrão,
E nos permite navegar até à infância
Até às pegadas dos pássaros,
E mesmo até aos sulcos que deixam
Os pequenos insectos
Este lugar assim é da pele
E da areia que sob ela se acumulou
E se espalhou pelo firmamento
Num estiramento
De estrelas
Vamos pois pelas dunas
Dentro de um saco-cama
Ou de um balão azul
Deslizando, deslizando,
E não há já terra
Nem céu, em horizonte, nem nuvens,
Nem pássaros, nem pegadas
Nem comida para comer
Os pequenos acidentes fogem para trás
como asas ágeis
Somos simplesmente devorados
Por este espaço
Pois num lugar assim
Só se pode escorregar, deixar cair
Para lugar nenhum
Nessa volúpia de se deixar ir
Para as pequenas depressões
Onde pararemos, juntos pelo acaso
De termos vindo parar
A um espaço assim,
Um espaço em que o beijo se fixa
Numa rósea pétrea
e cola os lábios;
E o rosado da duna
Se cristaliza, e pelo céu desliza
Inapreensível
Tocamos a loucura
Com a mão, uma loucura de pele
E chão.
Com um sentimento de asteróide
Cruzando mesmo ao meio o Nada,
Ou seja o Tudo,
Algo de muito sufocante, de para além
Do excesso
De um lugar assim,
Em que as consoantes se dispersam
E os versos explodem, um a um,
Para outros textos.
Para os teus olhos belíssimos;
E tudo caminha
Nítido, finalmente,
Magnífico como uma caravana vermelha
Certa do seu caminho,
Determinada no seu trilho
Para o Grande Mapa do teu Olhar.
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Merzouga, Marrocos, fotos
Porto, texto
Setembro 2008
voj
para a susana
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