quarta-feira, 17 de setembro de 2008

um lugar assim













Daqui
Consigo ver a Terra
E o lugar onde nasci,
E o teu passado também

Aqui
Consigo traçar limites:

Esta é a terra, este o céu
E eu chamo-me Nuvem,
E Tu, Nuvem também

Este é o ventre
De areia
De onde deslizo há décadas
Finalmente desvendado

Quantos dias
Quantas botas gastas
Para poder chegar
A um lugar assim

Onde os braços e as pernas
se perdem, se desfazem

Para só ficarem estrelas
No lugar dos olhos

E o lento, lentíssimo prazer
De deslizar

Quanto foi preciso esperarmos
Para chegar finalmente

A ver este horizonte
Onde tudo se clarifica

Mais nítido do que o diamante
Da Ideia pura levitando,

De um sentimento mesmo muito alto,
Um Castelo aéreo
Esticado até às ameias da retina.


Aqui são pegadas,
Ali um trilho,
Aqui passou alguém
Num futuro muito distante

Mais adiante um réptil foge
Para um passado escondido.

E as nuvens somos nós
Derramando-nos sobre todo
o tempo inútil

Já vivido

Pois aqui
Até os renques de finos caules

Que nascem nos interstícios
Prendem o frenesim das areias,

Estancam o sentido
Num panorama que nos pousa
Sobre a cabeça.


Como um grande bolo celeste
Que se insufla, que cresce,
Este é o lugar de onde o corpo
Sobe e desce

Até às fontes da secura, da mais pura
E rósea areia, e escorrega
- Este é o terceiro elemento que nos ata

Que nos põe os atavios do camelo celeste
O seu fato vermelho
Os seus olhos dirigidos pelas luas
O seu focinho amarelo, coberto
De flores de açafrão,

E nos permite navegar até à infância
Até às pegadas dos pássaros,
E mesmo até aos sulcos que deixam
Os pequenos insectos

Este lugar assim é da pele
E da areia que sob ela se acumulou

E se espalhou pelo firmamento
Num estiramento
De estrelas

Vamos pois pelas dunas
Dentro de um saco-cama
Ou de um balão azul
Deslizando, deslizando,

E não há já terra
Nem céu, em horizonte, nem nuvens,
Nem pássaros, nem pegadas
Nem comida para comer

Os pequenos acidentes fogem para trás
como asas ágeis

Somos simplesmente devorados
Por este espaço

Pois num lugar assim
Só se pode escorregar, deixar cair
Para lugar nenhum
Nessa volúpia de se deixar ir

Para as pequenas depressões
Onde pararemos, juntos pelo acaso
De termos vindo parar
A um espaço assim,

Um espaço em que o beijo se fixa
Numa rósea pétrea
e cola os lábios;

E o rosado da duna
Se cristaliza, e pelo céu desliza
Inapreensível

Tocamos a loucura
Com a mão, uma loucura de pele
E chão.
Com um sentimento de asteróide
Cruzando mesmo ao meio o Nada,

Ou seja o Tudo,
Algo de muito sufocante, de para além
Do excesso
De um lugar assim,

Em que as consoantes se dispersam
E os versos explodem, um a um,
Para outros textos.

Para os teus olhos belíssimos;

E tudo caminha
Nítido, finalmente,
Magnífico como uma caravana vermelha
Certa do seu caminho,
Determinada no seu trilho

Para o Grande Mapa do teu Olhar.



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Merzouga, Marrocos, fotos
Porto, texto
Setembro 2008
voj
para a susana


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