Transferência "(...) A PSICANÁLISE INVENTOU DE FACTO UMA NOVA FORMA DE AMOR CHAMADA TRANSFERÊNCIA." JACQUES-ALAIN MILLER (Lacan Dot Com)
domingo, 28 de setembro de 2008
corpos
Os dias
Passam tão depressa
Como se o corpo ao acordar
Estivesse já colado à parede
Da noite, exausto.
Que noite? Em que cidade?
O corpo não sabe, na sua luta
Para se libertar.
As luzes. As fachadas.
Tudo quanto baliza, e cai do céu
Impondo-se
O corpo quer ultrapassar, fugindo
De si próprio, ou tentando
Dobrar-se para dentro dos seus forros
Até desaparecer na textura dos tecidos,
Das paredes.
O corpo odeia as superfícies, o corpo
Foi feito para voar. Mas o maldito peso
Prendeu-o ao solo, e o maldito tempo
Colou os dias uns aos outros.
O corpo quereria dobrar-se como um saco
Portátil. Como uma mochila que se fecha
Para dentro de si mesma, e aí impermanece
Como a cobra que já não está no seu covil.
O corpo sobe pelos altares, pelos tubos
Dos órgãos. Totalmente iluminados, a escaldar
De luzes e reflexos e notas e sons que gargantas
Espalharam no ar denso ao longo de séculos.
O corpo assoma às varandas, para se evaporar.
Para se tornar gaze, doce de açúcar branco
Que a atmosfera trespassa e dilui.
Nada há de mais irrequieto,
Nada que se mova mais
Que este questionamento,
O do corpo da mulher como protótipo
De todo o corpo mortal.
Oh deus, doce ilusão que nos abandonaste,
Deixando-nos entregues ao corpo,
À prensa dos dias e das noites,
E ao malvado tempo e espaço
Tirania da realidade.
Acendem-se as luzes em todas as cidades
E sobre elas pousamos em vão
Como grandes aves que deviam ter ficado
Lá de onde vieram,
E que deviam ter chegado para morrer na pista
Como grandes sacrificiados.
Ao menos essa Glória!
Fotos: Sacha Federowsky
Fonte: http://www.sachafedor.eu/index.html
Texto: voj
2008
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