confesso que por vezes não sei muito bem o que fazer. agradeço até ajuda neste dilema. a arte era talvez (ia dizer sem dúvida) a minha verdadeira vocação, mas não segui, tirei um curso e abracei o ensino, e desde aí até agora sinto esta divisão que me dilacera. para a arte em si é sem dúvida já tarde, mas para as relações sociais talvez ainda não. por isso procuro por toda a cidade ansiosamente pessoas. não quaisquer pessoas, evidentemente. pessoas com as quais possa estabelecer uma relação densa, de amizade e confiança total, por aí. vejo à minha volta muita coisa que não me diz nada. procuro às vezes concentrar-me na leitura, mas é difícil, toda a gente acha que quem quer ser sério e realizar um trabalho continuado, baseado num estudo necessariamente lento, não é muito bom da cabeça. nas universidades bastantes alunos já não vão às aulas, entram e saiem quando querem e lhes apetece; os estudantes passam uma boa parte do ano na festa. se uma pessoa começa a publicar coisas mesmo importantes suscita logo um certo número de problemas, as bolsas de investigação vão todas para as tecnologias... enfim, apetece antes a reforma e aquela gestão dos dias, ter-se tempo para nós, abandonar a mania dos projectos e a ambição da fama, fazer umas viagens de sonho, dar umas escapadelas, ver uns filmes, sentarmo-nos nas esplanadas com os amigos a proferir sentenças, a velha coisa. é o que cada vez mais está a dar, e parece-me que vou manter os serviços mínimos para que não me reformem compulsivamente, e fazer como quase todos os outros. pronto, tive pouca sorte, não terei feito a boa opção, nem a licenciatura que tirei nem a família em que nasci davam para aqueles lugares de onde depois se salta para outros lugares e... assim se vai ganhando direito a uma posição confortável, agora e na velhice. mesmo muito confortável...
é certo que se não houvesse uns indivíduos que se dedicassem, que tivessem mesmo consagrado a vida ao prazer de criar qualquer coisa de visível, hoje nem sequer tínhamos nada para ensinar nas universidades. mas eu gostava acima de tudo de ter sido feliz, e de ter encontrado pessoas interessantes. amanhã recomeço a busca, que quem não arrisca não petisca.
é certo que se não houvesse uns indivíduos que se dedicassem, que tivessem mesmo consagrado a vida ao prazer de criar qualquer coisa de visível, hoje nem sequer tínhamos nada para ensinar nas universidades. mas eu gostava acima de tudo de ter sido feliz, e de ter encontrado pessoas interessantes. amanhã recomeço a busca, que quem não arrisca não petisca.
Foto: copyright Joris Van Daele - http://www.barenakedgallery.
com/home.htm
=Reprodução expressamente autorizada pelo autor=
5 comentários:
Por vezes estamos tão concentrados na busca que nem percebemos o que encontrámos. Convertemo-nos em buscadores compulsivos, na miragem de uma hipotética felicidade, não percebendo que ela mora exactamente na fantasia.
Os outros compõem o mapa. Os seus sorrisos confirma-nos que a felicidade existe. As suas lágrimas... as suas lágrimas são choros vãos a quem acedemos por simpatia... amizade.
Quando focamos os olhos com atenção percebemos que aqueles sorrisos são tão verdadeiros como as areias brancas de uma qualquer praia nas Antilhas (ou qualquer outro lugar promovido pelas agências de viagens). A felicidade só mora aí, na recordação de um passado ou no sonho de um futuro. O momento encerra sempre o desconforto da realidade.
Um dia aprenderemos a fazer as pazes com o presente. Aprenderemos a apreciar o momento com a paciência da maturidade.
Tal como na relação sexual: um orgasmo nunca é como o fantasiámos, mas existem orgasmos. Por vezes alcançamos a resolução. Tal como aquele filme que nos ajuda a apaziguar a mente e que por um momento apaga o mundo.
Nessas estasis partimos do topos para percebermos como podemos fazer sentido connosco próprios.
Só abandonando a exigência do outro (do pai, da mãe, do mundo) é que podemos aceitar os outros como eles são (um ensinamento que segue qualquer religião, do Budismo ao Cristianismo, do Taismo até à própria filosofia Zen). Senão viveremos no eterno conflito da culpa, jogada entre nós e eles. Na modernidade quisemos matar a culpa, não percebendo que apenas a salientávamos. Pensámos que fechados na nossa individualidade poderíamos suportar o mundo ignorando o Outro. Pobres tolos.
A verdade da vida é o cui-dar.
Dar
Cui-dar
Pre-ocupar
Também está certo... ou não. Por mim meti-me no Lacan e não largo enquanto não perceber. Como estou com fome, lembou-me um dos pratos de que mais gosto (galegos): "Lacon con grelos" (pernil de porco fumado cozido com legumes e enchidos).
...e eu que não posso comer Heidegger com kartoffeln... dizem que é muito pesado para a digestão.
A amostragem humana é pequena quando não se sai frequentemente de casa, Porto, país, etc. E mesmo que ela aumente...não é líquido que se encontre alguém que encaixe em nós. Sem se perder um enorme tempo...para depois descobrir que há uma mão que sai fora... da forma...que o encaixe nunca é perfeito. Mas a felicidade está na desordem e no risco dessa procura. Sabes que eu sempre pensei isto.
Susana
Parece que o carácter obviamente irónico desta minha postagem não foi totalmente entendido pelos meus interlocutores...
Enviar um comentário